Ah, eu sou gaúcho

Por Flávio Dutra

O chimarrão não faz parte dos meus hábitos. Jamais usei bombachas ou qualquer adereço gauchesco. Uma das poucas vezes que montei a cavalo quase me fui, com montaria e tudo, Caracol abaixo, em Canela. A vida campeira não me atrai e só uso faca afiada para a preparação do churrasco e nisso, modéstia à parte, sou competente. Ah, e não morro de amores pela Polar e por qualquer outro produto ou atitude que demonstre nosso ufanismo gaudério.

Esse distanciamento de algumas de nossas mais caras tradições e hábitos, tão exacerbados no 20 de setembro, não me tornam menos gaúcho do que o taura pilchado que desfila orgulhoso. Ainda me emociono com os acordes do Hino Riograndense e reconheço no cancioneiro do chamado nativismo joias raras de poesia, que também mexem com a minha sensibilidade. "Guri", de João Batista Machado e Júlio Machado, é uma delas, de preferência interpretada por César Passarinho.  Confesso que me deu nó na garganta na chegada da Cavalgada dos Mil Dias para a Copa (NE: em 2011), quando Elton Saldanha recebeu os cavalarianos entoando "O Rio Grande a Cavalo" - Lá vem o Rio Grande a cavalo/entrando no M'Bororé/là vem o Rio Grande a cavalo/que bonito que ele é.

É impossível renegar as origens e não ser contaminado pelo ambiente de exaltação do gauchismo que, registre-se, cresce como compensação na medida em que o Rio Grande perde poder e espaço no contexto nacional. Talvez seja o momento de avaliar, também, porque um movimento que foi derrotado em armas, embora vitorioso na permanência dos seus ideais, seja tão exaltado e reverenciado, enquanto outros movimentos bem-sucedidos, capitaneados por gaúchos, como a Revolução de 30 e a Legalidade, não têm o mesmo reconhecimento e a mesma força de aglutinação dos gaúchos. Estaria faltando um Paixão Cortes, um Barbosa Lessa e seus pioneiros da retomada do gauchismo para reconstruir esses momentos da nossa história e criar novas razões para nos orgulharmos?

Como História e Tradição escapam do meu campo de conhecimentos, repasso a questão para os especialistas, antes de reafirmar, com algum recato, mas muito orgulho: Ah, eu sou Gaúcho!

*Esta é uma das crônicas do livro 'Quando Eu Fiz 69', que será lançado na terça-feira,10, no Chalé da Praça 15, a partir das 18h para quem quiser se livrar cedo. Garanta já o seu exemplar, antes que censurem. O estacionamento é liberado no Largo Glênio Peres a partir das 19h. Haverá farta distribuição de água para os que comparecerem.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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