Aos inimigos, a lei

      A isenção total, sabe-se, é impossível, porque seres humanos serão sempre suscetíveis a ideologias, credos, terão suas visões particulares de mundo, ou, em terreno …

      A isenção total, sabe-se, é impossível, porque seres humanos serão sempre suscetíveis a ideologias, credos, terão suas visões particulares de mundo, ou, em terreno mais comum, mas não menos complexo e difuso, se deixarão levar por paixões e simpatias. Jornalistas pregando a absoluta neutralidade soam tão autênticos quanto Atletas de Cristo quebrando pernas de adversários ou artistas e intelectuais enaltecendo a importância de determinado projeto na formação de nosso jovens e esquecendo de citar, claro, o pequeno detalhe de que tal empreitada engordará em muito sua conta bancária.
      Ano eleitoral tem a propriedade de evidenciar tais caraterísticas dos profissionais de imprensa, em outras ocasiões capazes de dissimular suas preferências. A discussão é antiga. A predileção de patrões por candidatos conservadores, não necessariamente governistas, em contraposição ao alinhamento de boa parte das redações com candidatos mais à esquerda, não necessariamente antigovernistas, é informação sonegada ao consumidor da notícia. Se houvesse de fato a preocupação com o leitor (ouvinte, telespectador, internauta etc.) propagada pelas seções de cartas e colunas interativas, os veículos deixariam claras as regras do jogo por meio de um enunciado mais ou menos assim:
      "Este veículo é a favor da candidatura de fulano. No entanto, seus profissionais, na maioria, defendem a candidatura de sicrano. O resultado dessa mistura é imprevisível."
      Devidamente informado, o consumidor poderia decidir-se por esta ou aquela mídia com mais segurança, ou, ao menos, conheceria os riscos. Há, em países como os Estados Unidos, veículos com posição política assumida. Com isso, se perde alguns consumidores, mas se ganha o respeito de todos. Melhor do que mascarar colorações partidárias.
      No Brasil, há veículos notórios por defender candidatos. O perfil é sempre o mesmo, mas a fidelidade não é partidária, e sim de poder. Nossa mídia é mais fisiológica. A ideologia conta na hora de escolher o lado, mas o que decide o voto do patronato midiático é a estatística. Querem alguém que pense como eles, desde que tenha grande chance de vitória. Não desejam estar estremecidos com quem manda no país, nas concessões, nos financiamentos e nas verbas publicitárias. Quando não dá certo, ou seja, se elege quem não queriam, continuam a atacá-lo como fizeram durante a campanha, mas esperam dele o tratamento igualitário que não lhe concederam. Como diz a frase atribuída a Getúlio Vargas, "aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei."
      De suas trincheiras, os jornalistas, que de modo geral discordam do patrão, pegam leve quando se trata de seus mitos e atacam pesado os demais. Denúncias, tão comuns em ano eleitoral, podem ganhar manchetes se forem contra o candidato da casa, ou então cair na seção de notas se for de outro. Isso se o patrão fizer prevalecer sua posição. Habilmente, pessoas que ganham a vida com palavras tendem a usá-las com eficiência para derrubar a pauta na nascente, se for do seu preferido, ou vendê-la com grande entusiasmo caso?
Dedicado a Miriam Guaraciaba
( [email protected])

Autor
 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

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