Avisem a ministra: mulher linda, em qualquer lugar, é aquela que luta

Por Márcia Martins

16/01/2019 15:31

Nestes meus quase 60 anos de vida louca, vida breve (tá, ainda falta um pouco para ser considerada sexagenária) já aprendi tanta lição que nem imaginava, estudei teorias e experimentei a prática do cotidiano, revi conceitos, reavaliei atitudes e ao final de cada dia que se encerra sei que não sou dona da verdade absoluta. Mas uma certeza juro que carrego desde o final dos anos 70 e início dos 80, quando era uma universitária do curso de Jornalismo da Famecos/PUC. A beleza de uma mulher é um quesito relativo. Não pode ser medida pelo volume da bunda, pela circunferência da cintura, pelo caimento dos cabelos sedosos ou pelo tom azulado de um atraente olhar. A beleza de uma mulher é diferente aos olhos de quem a vê. Não obedece a uma regra rígida e nem é definida por uma fita métrica.

A vizinha do apartamento do andar de cima, com sua fita vermelha extravagante a lhe segurar os cabelos lisos escorridos, revela uma beleza estonteante. A amiga da minha filha, que volta e meia pergunta se pode dormir aqui em casa, com uma boca carnuda realçada com um batom de tom marrom, apresenta uma beleza enigmática. A moça que atende na loja de departamentos, com seu uniforme que se assemelha aos trajes das estudantes de colégios de freira de antigamente, ostenta uma beleza perturbadora. A senhora de 40 anos e um olhar perdido no horizonte sombrio, que aguarda a sua vez na fila do supermercado, com seu pequeno rebento amparado nas ancas a lhe exigir atenção, esbanja uma beleza indescritível.

São mulheres belas, bonitas e exuberantes. Não pela maciez dos cabelos. Não pela boca carnuda. Não pelo pedaço de coxa que o uniforme permite vislumbrar. Não pelo olhar perdido. Essas mulheres, assim como tantas outras que conheço e como tantas outras com quem cruzo diariamente, são belas porque arregaçaram as mangas, porque não cruzaram os braços na janela para ver o tempo passar, porque estudam, trabalham, administram a vida pessoal e profissional e, principalmente porque lutam. É isto. Decifrado o mistério. Desvendado o enigma. Mulher bonita, em qualquer lugar do planeta, em qualquer situação, independentemente de ideologia ou seja lá o que for, é uma só: aquela que luta.

Mulher bonita é aquela que luta para obter bom desempenho na educação, em todos os níveis. Mulher bonita é aquela que luta para conseguir um emprego enquanto faz a faculdade porque necessita de dinheiro para pagar seu estudo. Mulher bonita é aquela que luta para que seu salário seja igual ao de um homem quando ambos exercem a mesma função. Mulher bonita é aquela que luta para ter a mesma importância que o homem no mercado de trabalho. Mulher bonita é aquela que luta para ter os mesmos direitos que os homens. Mulher bonita é aquela que luta e não aceita desaforo calada. Mulher bonita é aquela que luta para não ser julgada pela roupa que veste. Mulher bonita é aquela que luta para poder vestir a roupa que quiser. Mulher bonita, antes de tudo, é aquela que luta. Sempre. Em todos os momentos. E jamais se cala.

Para ser bonita, a mulher não precisa ser de esquerda. Nem de direita. Nem de centro. A mulher bonita deve lutar para defender a sua ideologia. E para isto, precisa lutar muito para ter embasamento suficiente. Para ser bonita, a mulher não precisa ser inteligente. Nem burra. Nem simpática. Nem antipática. A mulher bonita deve lutar para avançar mais no seu conhecimento, aprimorar suas dúvidas, desenvolver mais sua empatia e até mesmo abusar da antipatia, quando necessário. Para ser bonita, a mulher não precisa estar vestindo grifes famosas, usando perfumes de marca, e nem mesmo ser um mero acessório de um homem. A mulher bonita deve lutar para ter recursos para se vestir sempre o melhor possível e jamais depender de um homem para lhe trazer felicidade.

Fui começar a perceber a magia da verdadeira beleza da mulher quando entrei na faculdade, lá em 1979, período em que me libertei de algumas amarras familiares e passei a entender melhor a beleza da minha mãe Mirthô. Mamis era uma mulher bela porque lutou. Toda a sua vida. Do seu jeito. Da sua maneira. Mas sempre lutou. Nunca entregou os pontos. Jamais se deu por vencida. Nunca desistiu de nada. Da sua forma, rompeu barreiras e quebrou paradigmas. Mamãe era uma mulher bonita. Não pelo belo nariz delineado que me olha na foto do retrato em branco e preto. Não pelo abraço estendido que sempre emprestava quando um filho pedia. Mamãe era uma mulher bonita porque foi uma mulher de luta.

Então, acho que precisam avisar a ministra dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro, a impagável Damares Alves, que mulher bonita é aquela que luta. Num discurso contra as feministas, feito em 2015, revelando novamente a sua ignorância e total inaptidão ao cargo, ela disse: ?feministas são feias e nós somos lindas?. E nem preciso subir num pé de goiabeira para ter esta certeza. Nem ver Jesus. Cada uma que ela diz. E enquanto ela fala asneira e mais asneira, cresce o número de feminicídios no Brasil.