Cadê a revista que tava aqui?

Por José Antonio Vieira da Cunha

Começo a temer pelo dia em que não encontrarei mais onde comprar revistas e jornais. Pior é aceitar a ideia de não encontrar mais revistas e jornais e ficar órfão desta lúdica atividade que me acompanha desde meados do século passado. Pois é, aquele delicioso e agradável hábito de folhear uma revista e se surpreender a cada virada de página com alguma boa reportagem ou mesmo um anúncio de alguma novidade tecnológica está ficando cada vez mais raro.

Só quem nasceu no século 20 entende bem o que estou falando. Agora mesmo, fui vítima de mais um impacto negativo ao ver minguar a oferta de impressos na vizinhança. Explico. O bairro Campeche, no sul da ilha de Florianópolis, não tem uma única banca de jornais e revistas, e o abastecimento deste tipo de leitura é viabilizado por uma pequena revistaria e tabacaria no bairro ao lado, o Rio Tavares. É um espaço singelo, porém cumpridor, ao oferecer ali pelo menos exemplares de dois jornais, a Folha de S.Paulo e o único diário que sobrevive na cidade, o Notícias do Dia, e revistas semanais e mensais, infantis e de palavras cruzadas.

Bem, o verbo agora precisa ser colocado no pretérito imperfeito para muitas destas publicações, pois a revistaria foi aos poucos reduzindo o espaço para impressos e ocupando-o com outros produtos "mais rentáveis". Primeiro, um terço do espaço foi suprimido para colocação de freezers e geladeiras para venda de refrigerantes e cervejas. A redução ocorreu durante a pandemia, com a natural retração de clientes registrada em 2020 e 2021. Pois a fuga de leitores ficou longe de voltar à situação anterior, quando se voltou à normalidade social, e o pior acaba de acontecer na semana passada. 

Qual não foi minha tristeza ao constatar que a boa e confiável revistaria é agora mais um mercadinho do que qualquer outro comércio, e jornais e revistas ficaram reduzidos a uma ínfima prateleira e a um solitário expositor. No lugar antes ocupado por Cartas Capital, Piauís, Istoés, Exames, Vejas e cia., lá estão potes de maionese, garrafas de vodka, pacotes de batata palha e produtos para limpeza.

A explicação para a transformação é a mais singela e realista possível: as publicações que vendiam pouco, mesmo as ótimas Superinteressante e Piauí, ocupavam espaço sem dar retorno. Vendiam nada. Ao comerciante não restou outra alternativa que não a de buscar melhor rentabilidade sob pena de fechar as portas. O descompasso entre oferta e procura com o produto publicações impressas passa a ser suprido por enlatados e empacotados em geral.

É a lenta e inexorável falência de jornais e revistas impressos agravada pela nova realidade em que a informação circula de forma mais rápida embora superficial, e os consumidores de informação passam a se habituar cada vez mais ao meio digital. A prática comporta ainda o ônus de os novos leitores não adquirirem o hábito de aprofundar a leitura, mas fazer o quê? É a mídia digital que avança, dominando as escolhas do consumidor com ofertas de leituras de forma gratuita ou a preço quase simbólico, como a assinatura de O Globo, que você pode providenciar neste momento pagando apenas R$ 1,99 por seis meses. Quando vencer este período de oferta promocional, com alguma boa conversa você pode conseguir uma renovação por meros R$ 9,99 mensais. 

O novo cenário é 100% digital, e neste ambiente o impresso só tende a perder relevância, mesmo que seja ainda uma forma de leitura imprescindível para quem tem este velho e arraigado hábito de folhear páginas com prazer. A realidade é que atualmente o impresso parece subsistir apenas para ocupar espaço e preencher as vontades de velhos leitores como este redator aqui.

É o novo normal, que agora está virando rotina. E em meio a uma economia problemática, custos de produção crescentes e desafios crescentes do digital, o declínio do jornalismo impresso se aproxima veloz. 

Como condenar o amigo comerciante que fez a opção inevitável, trocando jornais e revistas, que vendem pouco, por cervejas e picolés, sempre atraentes para o consumidor? Reinventou-se e diversificou a oferta. Em bom português, segue lutando pela sobrevivência.

Nas prateleiras, mais comida e menos leitura

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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