Compensação, na acepção de Moro

Sei, parece notícia velha depois do desfile do vampiro, da batata quente largada nas mãos dos milicos e da segunda borrada de cueca do Huck. O Bananão é assim, cheio de novidades, mas sempre o mesmo.

É como o penteado e a pintura de cabelo. Hoje o Bananão está de coque-banana, pra combinar, mas amanhã com rabo-de-cavalo. Hoje o Bananão pintou o cabelo de acaju. Amanhã? Loiro platinado.

Vamos em frente, sem distração.

Moro, Bretas, Dallagnol, Paulsen e Laus, sem esquecer de milhares de outros bananenses da gema do Judiciário, metem a mão, todo mês, há anos, em quatro mil e tantos reais. Nem vamos falar de outras mamatas, que às vezes incluem até auxílio-creche pra quem não tem filho. Por que não arrumam logo um auxílio-escravo, que pode se desdobrar em novos auxílios, o senzala e o chibata?

Como se chama isso? Não se pode chamar de roubo, assalto - nomes mais claros que peculato ou desvio de finalidade -, se a lei diz que, se você tem casa, não pode receber auxílio-moradia e assim mesmo recebe? Não, não. Segundo Moro, trata-se de compensação por falta de aumento no salário.

A linguagem do Moro é o perfume que se usa em banheiro pra disfarçar o cheiro da merda.

É bom lembrar: no caso, o salário é de trinta mil, não oitocentos pilas. Ou nem oitocentos pilas pros milhões de empreendedores que empreendem fazendo acrobacias no sinal fechado na esquina ou vendendo quinquilharias pelas ruas. Duvidoso que esses empreendedores consigam uma ajudinha do BNDS, como tantos defensores do Estado mínimo, como o abjeto dono das lojas Riachuelo.

Se, numa coisa simples assim, a elasticidade ética de Moro e companhia faz jus a performances no Cirque du Soleil, estamos bem arrumados em matéria de paladinos anticorrupção.

Compensando as críticas

Associação federal de juízes estrilou contra a imprensa que denunciou as mamatas judiciárias. Sim, inclusive afirmou que a grande mídia burla as leis. Ué, se os juízes sabem dos crimes da grande mídia por que não tomaram nenhuma providência? Não é papel deles combater as violações às leis? Mais: por que não vão tomar providência alguma?

Dois mais dois: como não têm como desmentir as mamatas, os homens da lei se valem da mais velha das táticas: desacreditar o acusador e dizer que há uma conspiração malévola contra a moral e os bons costumes do Bananão. Muito feio, homens da lei. Feio e tosco. E a Velhinha de Taubaté já faleceu.

Claro, fizeram isso antes de modo mais sombrio: prometeram crucificar Lula se a defesa dele continuar mostrando os abusos judiciários. Você é réu, nem um pio. Se 40% dos presos do Bananão não têm nem acusação, o que você tá pensando, seus nove dedos? Você não sabe quem tem regalias no Bananão?

E dizer que provas são matéria de uso cotidiano dos homens da lei...

Compensá-lo-emos?

O descaramento da casta togada não merece uma compensação? Tipo juízes e assemelhados botarem a viola no saco, um cilício na cintura e devolverem aos cofres públicos o que ganharam sob uma legalidade aprovada por eles mesmos a favor deles mesmos? Esperar que respondam criminalmente por seus atos não passa de uma fantasia dos adolescentes mais cheios de espinhas do Bananão.

Os compensados

O Judiciário do Bananão é um dos mais caros do mundo - e só aceita aristocratas. Quando o carinha não é aristocrata, recebe uma transfusão de sangue azul logo depois de passar num concurso.

Sim, é muito caro, mas, convenhamos, é dos mais eficientes - pra elite do atraso, que o paga e afaga com uma das mãos e o mantém de quatro com a outra.

Craques na compensação

Como Dallagnol, Moro, Gebran, Paulsen e Laus não encontraram provas contra Lula, compensaram com convicções e o apoio da grande mídia. Mais ainda: compensaram aceitando provas fraudadas pela Odebrecht, como denunciou Tacla Duran e agora peritos demonstraram.

As instituições do Bananão estão funcionando perfeitamente. Faça como elas. Use óleo de peroba em suas engrenagens.

Como compensar a criptografia?

Hackers invadem os sistemas de grandes bancos, da NASA e do Pentágono, mas os arquivos da Odebrecht são invioláveis. Se nesses arquivos não constassem nomes de velhos próceres da política e do Judiciário bananense, aposto que qualquer aluno de informática de um cursinho do SENAC resolveria a pendenga.

Grande compensação

Como 73 testemunhas, a maioria delas de acusação, livraram a cara de Lula, Moro compensou aceitando a única testemunha que concordava com ele. Mais gracioso nem o anão que usa botas com saltos de dez centímetros.

Outra grande compensação

Lembram a desempregada aquela que furtou um pacote de fraldas? Como foi pega em flagrante, o supermercado recebeu de volta o pacote e podia não ter registrado a ocorrência, mas preferiu a vingança pra compensar o incômodo. A desempregada foi compensada com quatro ou cinco anos de prisão, tempo mais que suficiente pra meditar na expressão capitalismo selvagem, se é uma redundância ou não. A juíza que assinou a condenação foi compensada com o sono dos justos, exatamente como Segovia, chefe da Polícia Federal, serviçal do Sarney e agora o Igor do vampiro, depois de afirmar que uma mala com quinhentos mil reais de propina não prova nada.

A compensação de FHC

No livro A tolice da inteligência brasileira, Jessé de Souza crítica os grandes pensadores brasileiros, como Gilberto Freyre, Buarque de Holanda e Raymundo Faoro. FHC merece uma linha. Sim, é mencionado apenas pra se dizer que tudo o que escreveu é inócuo.

Apesar da arrogância ilimitada, FHC deve concordar, ou não pediu que esquecessem o que escreveu? Para compensar sua nulidade intelectual, entregou-se ao jogo do poder. Pra compensar o lugar que ocupa na história do Bananão - Príncipe da Privataria - ou por estar gagá em estado terminal, acalentou a fantasia de tornar candidato o Huck, que acalentou a fantasia de compensar com a faixa presidencial o seu primeiro e imortal título: Fazendeiro de Bundas.

O Bananão mereceria um presidente que será mencionado apenas numa nota de rodapé das foto-biografias da Tiazinha e da Feiticeira? Bom, se o maior império tem o Trump...

A compensação dos empreendedores

Dória e Huck são empreendedores, exemplos pra que nós, vagabundos, nos mexamos em vez de reclamar da desigualdade do Bananão. Aí o Fernando Brito, do Tijolaço, descobre que Dória e Huck compraram seus jatinhos com empréstimo do BNDS com juros mais do que camaradas e com prazos a perder de vista. É pouco? Huck achacou 20 milhões de reais através da Lei Rouanet a pretexto de um curso. Detalhes do Brito: "Como, segundo diz o projeto, seriam 150 jovens atendidos, o custo, em impostos, per capita, é de R$ 23.300, enquanto o custo dos alunos de escolas públicas, garantido pelo MEC, era de R$ 2.875,03 em 2017".

Como pimenta, o Estado mínimo é refresco quando arde no dos outros.

A compensação dos vampiros

Temer e Globo dizem querer combater o crime organizado. Sim, Temer, condottiere da elite do atraso, a maior organização criminosa que o Bananão já teve. Sim, a Globo, nascida de uma falcatrua da Time-Life abençoada pelos ditadores, com um prontuário de décadas a serviço da mesma organização. O crime organizado que pretendem combater se resume ao pessoal do varejo do tráfico, nada comparado ao dono de um helicoca. Nada mais faz sentido no Bananão, a começar pelo sentido das palavras.

A compensação do exército

Como o exército irá compensar o papel de palhaço que faz nas manipulações da Globo e do mafioso do Porto de Santos?

E a compensação da Marcela?

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Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. Passou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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