Conversa na praça

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Local: Praça da Alfândega, Porto Alegre. Hora: um fim de tarde, no lusco-fusco de Primavera. No banco de pedra, dois poetas de bronze travam um diálogo atemporal.

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O Poeta: "Sabes que ainda sinto aquela dor infinita das ruas de Porto Alegre onde jamais passarei...".

Outro Poeta: "- Entendo. Às vezes sinto o mesmo com as calçadas de Copacabana. E hoje acordei pensando em uma pedra numa rua de Calcutá. Solta. Sozinha.

Quem repara nela?

Só eu, que nunca fui lá".

O Poeta: "- Minha rua está cheia de pregões. Parece que estou vendo com os ouvidos:

'Couves! Abacaxis! Cáquis! Melões".

O Outro: "- Acho que ruas são feitas de paredão. O paredão é a própria rua, onde passar ou não passar é a mesma forma de prisão".

O Poeta: "- O vento está dormindo na calçada.

O vento enovelou-se como um cão. Dorme ruazinha...Não há nada...".

O Outro: "- Cada cidade tem sua linguagem...

Repara nas nuvens, vão desatando bandeiras de púrpura e violeta...".

O Poeta: "- As únicas coisas eternas são as nuvens...".

O Outro: "- Aqui amanhece como em qualquer parte do mundo, mas vibra o sentimento de que as coisas se amaram durante a noite".

O Poeta: "- Antes, todos os caminhos iam.

Agora todos os caminhos vêm.

A casa é acolhedora, os livros poucos.

E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas".

O Outro: "- Mas... falta alguma coisa...

Falta aquele homem no escritório, a tirar da máquina elétrica o destino dos seres, a explicação antiga da terra".

O Poeta: "- Recordo ainda...E nada mais me importa.

Aqueles dias de uma luz tão mansa.

Que me deixavam sempre, de lembrança.

Algum brinquedo novo à minha porta".

O Outro: "- Falta um boné, aquele jeito manso, aquela ternura contida,

óleo a derramar-se lentamente.

Falta o casal passeando no trigal".

O Poeta: "- Eu quero meus brinquedos novamente!

Sou um pobre menino... acreditai.

Que envelheceu, um dia, de repente!".

O Outro: "- Falta um solo de clarineta".

O Poeta: "- Esta vida é uma estranha hospedaria,

De onde se parte quase sempre às tontas,

Pois nunca as nossas malas estão prontas,

E a nossa conta nunca está em dia...".

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Carlos Drummond de Andrade, O Outro:

"- Perdi o bonde e a esperança. Volto pálido para casa."

Mario Quintana, o Poeta:

"- E eu, sempre que parti, fiquei nas gares. Olhando triste para mim..."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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