Como todas as biografias que saíram por aí omitem que Luis Fernando Verissimo foi colunista no Coojornal, vamos registrar aqui com todas as letras: LFV foi colaborador do jornal da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre de setembro de 1978 a julho de 1980 - quase dois anos, portanto, e estas páginas da história não podem ser ignoradas.
A primeira coluna já esbanjava ironia, a grande arma que exercia com seu talento exuberante. Começa elogiando o próprio jornal (sem ironia, sem ironia!) assim: ?Sempre inovador, este jornal, ou Coojornal, decidiu entrevistar não o homem, mas o cavalo do homem. Não foi difícil chegar até ele. Ao contrário do homem, o cavalo do homem não tem asseclas, nem assessores, nem segurança excessiva?, escreveu, numa crítica ácida ao general João Figueiredo, recém anunciado pela ditadura como o militar que assumiria o controle do país a partir de março de 79. Segue o cronista: ?Começamos a entrevista perguntando sobre uma história que corre segundo a qual sempre que precisa tomar uma decisão importante o homem sai a cavalgar com ele, pois duas cabeças pensam melhor do que uma.? O cavalo confirma dando detalhes: ?Trocamos ideias. Não lhe dou conselhos, claro, mas procuro influenciar a suas decisões com bom senso e prudência. Infelizmente, ele nem sempre me ouve??.
Como se vê, não foi à toa que LFV era reverenciado e reconhecido como mestre da ironia e do humor. Mas ironia era o ponto alto, sua forma de dizer o contrário do que pensa para, no fundo, revelar a verdade, sutileza que exercia com absoluta criatividade para fugir dos censores. No caso do Coojornal, veículo já visado pela censura, Luis Fernando redobrava a atenção, sem deixar de tirar o maior sarro, como neste diálogo que ele identificou como ?anotações de um censor de telefones em Brasília?. O início já é explícito:
- Alô.
- Alô?
- Alô!
- Alô ...
- Sim, alô ...
- Tem um ruído estranho.
- Pode ser a ce, ene, esse, u, erre, a.
- Você quer dizer a cen ...
- SSSHHHH!
- Agora aumentou o ruído.
- Não, fui eu que fiz ?ssshhhh?.
- Ah ...
- Fala em inglês.
- Mas em inglês eu só sei rauduiudu.
- O que é que você quer, afinal?
- É sobre o nosso churrasco de domingo. Eu levo o sal grosso e ...
- Pare! Por favor, pare!
- O que foi?
- Você está louco? O censor vai achar que isso é código.
Luis Fernando enviava textos, mas eventualmente as Cobras eram escaladas para ocupar o espaço de página inteira com suas frases sempre ferinas e inteligentes. Um exemplo está nos balões em que as duas comentam que democracia é como andar de bicicleta. ?A gente nunca esquece??, pergunta uma, para logo ouvir a resposta esclarecedora: ?Não. Quando ela pára a gente cai para a direita ou para a esquerda?.
Ele acompanhava nosso trabalho e participava sempre que chamado. Como na edição especial dedicada totalmente ao humor, produzida no final de 1979, na qual escreveu a Carta do Editor, defendendo a ideia de que não existe um humor ?tipicamente? gaúcho. Se era grosso, gozado por outros, a imagem acabou, na sua reflexão, especialmente porque ?era uma ideia tão errada que não poderia sobreviver por muito tempo?.
No editorial, registra que estava na hora de acabar de uma vez por todas com antigas ideias sobre a falta de graça gaúcha e lembra que o alvo de grande parte do humor das páginas daquela edição do Coojornal era o próprio gaúcho. ?O que está sendo reafirmado é que sabemos, sim, rir de nós mesmos?, escreveu, ?e fazer rir?. E encerra com uma sentença que já adianta o que o leitor encontraria nas páginas a seguir: ?Se depois ainda vierem com aquela história de grossura, aí sim a gente limpa a bosta da espora e pega o facão?.
Assim se divertia LFV, autor de crônicas que tanto exploravam a intimidade das pessoas como cutucavam governos com o mesmo texto claro e direto. No seu jeitão discreto e reservado, foi muito solidário para com o nosso trabalho ao editarmos um jornal que se caracterizava pelo posicionamento contrário ao regime militar. Claro que não ia lá na Rua Comendador Coruja, 372, levar a coluna, no caso, duas a três páginas datilografadas ou o original do cartum. A tarefa era da esposa Lúcia, sempre presente na vida de Luis Fernando, ou de alguém de nosso grupo que ia buscar o material na residência no bairro Petrópolis.
Retratado como escritor, jornalista, romancista, roteirista de televisão, humorista e outros quetais, a ele nós do Coojornal podíamos acrescentar uma qualidade especial: amigo. Obrigado, caríssimo LFV.