Crise 2007
– É, tchê, eu sou muito humano. – Que nada, cara. Você tá é deprimido. – Por isso. – Puxa, mas você não é …
- É, tchê, eu sou muito humano. - Que nada, cara. Você tá é deprimido. - Por isso. - Puxa, mas você não é tão humano assim. Já vi você mal intencionado, agir tentando prejudicar o próximo. - Mas, consegui? Sou uma nulidade pra essas coisas. Onde será que meus pais erraram na minha criação? - Tudo bem, ninguém é perfeito. Só que pra profundamente humano, bondoso, altruísta, essas coisas dignificantes, disso você tá muito longe. Relaxa. - Não adianta querer me consolar. Eu sei que presto? - Às vezes. Isso acontece até com os piores sujeitos. - É? E por que é que me emociono com comercial com cachorrinhos, com idosos conversando em banco de praça? Jamais tirei pirulito de criança, meu caro. Esse trauma você tem? - Confesso que não. Porém, admito que chupeta nunca peguei, nem de bebezinho. Ah, pára com isso, levanta a cabeça. - Levantar a cabeça? Eu levanto e vejo as pombas. Vejo as pombas e lembro da Paz entre os homens. No fundo, no fundo, quero um mundo melhor para todos. Almejo a fraternidade universal. Eu sou humano, não percebe? - Isso é a sublimação de um desejo íntimo muito forte, recalcado, de destruir a humanidade inteira. - Isso é loucura! - E daí? Ser louco não é melhor que ser humano? - Loucura sua, quero dizer. - Não muda de assunto. - Me sinto derrotado? Amo minha mulher, cuido bem dos meus filhos, não puxo tapete de colegas, me dou otimamente com meus vizinhos. Sou a alegria da festa, me dizem. - Isso não é motivo pra tentar se matar bebendo, pô. Amanhã é outro dia. - Você se lamenta demais. Em vez da lamúria, vai à luta. Faz umas sacanagens, explora uns pobres diabos, se aparecer ocasião dá uma de ladrão, inventa novas corrupções, engana sua mulher ou a própria consciência, sei lá. - Mas isso me faria igual a todo mundo. - E que é que tem de mal? - Eu não teria mais razão para me embriagar. |