Devagar à mesa

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Vivemos em uma época que o delivery de pizza chega à sua casa antes do que a polícia."

John Updike, escritor.

Quem acendeu o primeiro alerta, dez anos atrás, foi o estrelado chef Paul Bocuse, que já temia pela sobrevivência da boa comida, diante do crescimento da indústria da alimentação ultraprocessada. O humorista inglês Michael Palin imediatamente fez eco:

"A comida de verdade acabou - o que chega ao nosso prato foi feito por uma máquina e não por uma vaca no campo."

A reação não tardou - começou na Itália e se alastrou pelo mundo. Consta que atualmente o movimento Slow Food contabiliza mais de 100 mil restaurantes e fornecedores em 150 países. O movimento pratica e apregoa o conceito de alimentos preparados de maneira limpa, com respeito ao meio ambiente e à saúde animal e humana. Seu fundador foi Carlo Petrini, um jornalista italiano que liderou os primeiros protestos quando a fast food aportou à Itália. Para Carlo Petrini, a chegada da cadeia McDonald's significava que a boa e tradicional comida italiana estava em risco.

Como crítico de gastronomia, Petrini gostava de descobrir pequenas trattorias, onde apreciava os pratos preparados com produtos frescos de granjas locais e vinhos da região.

Quando percebeu que os protestos nas ruas em Roma com a bandeira contra "a americanização da Itália" não motivavam ninguém a boicotar as casas de fast food, lançou as bases do Slow Food italiano. O movimento começou no Piemonte, na cidade de Bra, onde ele vive, com 30 mil habitantes e ristorantes e trattorias em cada esquina. A região é referência da culinária do Norte da Itália, com produtos artesanais, como queijos, massas e suas famosas salsichas de vitela. A causa de Carlo Petrini se tornou popular  em toda a Itália, ao adotar o caracol como símbolo "porque se move devagar, comendo com calma durante toda sua vida".

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Gastrônomos e estudiosos de culinária da Europa e Estados Unidos pousaram os talheres e largaram os guardanapos - a verdadeira cozinha de raiz estava em vias de desaparecer. Mesmo em países europeus, onde a comida ancestral é venerada como patrimônio cultural, já se sentiam os efeitos de severas exigências sanitárias impostas aos produtores e - principalmente - os efeitos da pasteurização de sabores, adotada pelas grandes indústrias de processamento. Quem hoje visita as grandes cidades da Itália, Espanha e França, terá dificuldades em encontrar pratos com a simplicidade e a pureza da comida tradicional de seus pais e avós.

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Mas nem tudo está perdido - ainda existem os resistentes e os teimosos, que continuam cozinhando segundo as receitas dos ascendentes, guardadas de cór - ou seja, no coração. O falecido chef e aventureiro Anthony Bourdain rodava o mundo em busca de pratos ameaçados de extinção pela hegemonia dos alimentos pré-prontos. E se dizia recompensado, quando descobria santuários onde continua se praticando a velha cozinha. Como durante sua visita à Córsega, onde estava produzindo um programa para o The Food Channel. Ali descobriu pratos ancestrais, que eram preparados por velhas cozinheiras, com 60 ou 70 anos, usando os mesmos ritos gestuais e os mesmos ingredientes apreendidos com as mães e avós. Mais tarde, Anthony Bourdain registraria em livro que no interior da Itália e França, existem poucas mulheres nas novas gerações, dispostas a seguir as tradições, passando horas cozinhando junto aos grandes fornos a lenha.

E anotou que, a cada vez que uma das velhas cozinheiras morre ou adoece, perde-se para sempre um pedaço de um patrimônio único: o amor pela comida. E replicava o que dizia Julia Child,

"O mais importante e insubstituível ingrediente de um grande prato será sempre a paixão."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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