E se Lula fosse um político americano?

Por Marino Boeira

A nova cirurgia pela qual passou o presidente Lula nos últimos dias trouxe de volta a discussão de como a mídia deve tratar a doença de figuras públicas como ele.

Como sempre acontece nessas ocasiões, o Presidente e sua equipe tratam de passar ao público uma imagem otimista.

No caso brasileiro existe sempre a lembrança do que aconteceu no passado com o então presidente eleito Tancredo Neves, cuja situação real da doença foi escondida até quase a sua morte.

Isso parece estar longe de ser o caso de Lula. Mesmo assim, a grande mídia se limitou a divulgar o que a equipe médica e a esposa Janja acharam que o público deveria saber.

O próprio Lula assumiu um papel ativo nesse processo, se comportando como uma verdadeira estrela, inclusive com a preocupação de vender a imagem de um homem descolado, primeiro de jeans e tênis e depois usando um elegante chapéu panamá.

Logo escolheu a Rede Globo e seu programa de maior audiência, o Fantástico, para uma entrevista exclusiva onde fez questão de lembrar mais uma vez sua vida de retirante nordestino, que graças ao seu esforço pessoal, se transformou no estadista reverenciado no mundo inteiro.

Nenhum meio da grande imprensa se preocupou em avançar uma análise mais profunda do que aconteceu realmente com Lula e quais as consequências de ter um presidente fisicamente debilitado e sob tutela médica no futuro.

Sobrou então para as mídias sociais a discussão desses temas, com a inclusão de todos os tipos de abordagens, desde a defesa emotiva da figura pública do Lula até a disseminação do que hoje chamam de fake news sobre sua saúde.

Esse evento nos leva a tentar comparar como os acontecimentos envolvendo a figura presidencial são tratados pela mídia no Brasil e nos Estados Unidos, porque afinal o modelo de jornalismo brasileiro é declaradamente um seguidor do norte-americano.

O cinema norte-americano já mostrou em mais de um filme como os jornais tratam o comportamento privado dos seus políticos. O Favorito (The Front Runner), rodado em 2018, do diretor Jason Retman é um bom exemplo. O jornal Miami Herald denunciou que o então candidato a presidente, o senador Gary Hart mantinha relações sexuais com uma amante, uma ex-miss que vivia na Florida. O senador, hoje com 90 anos, era franco favorito para vencer as eleições contra George Bush em 1987, mas foi obrigado a renunciar por pressão da mídia

O eleitorado brasileiro é mais tolerante quanto a isso. Em 2004, Larry Rother, correspondente no Brasil do jornal New York Times, publicou uma reportagem falando que o então presidente Lula se excedeu na bebida. Afora uma reação melodramática de setores do governo, ameaçando expulsar o jornalista do Brasil, ninguém se incomodou muito com isso.

Imagine o Lula, com tudo que faz e diz em matéria de mau comportamento em público, fosse um político americano.

Depois do caso Hart, os Estados Unidos viveriam ainda todo o escândalo do caso Clinton/Monica Lewinsky nos anos 90, envolvendo Bill Clinton então presidente dos Estados Unidos e Mônica uma estagiária na Casa Branca.

Ela contou a uma amiga que fez sexo oral com Clinton no Salão Oval da Casa Branca mais de uma vez e o assunto acabou saindo no Washington Post. Clinton desmentiu a noticia dizendo que não tinha feito sexo com Monica. Quando ficou comprovado que a versão dela era verdadeira e Clinton mentira publicamente, foi iniciado um processo de impeachment contra ele. Clinton acabou sendo absolvido pelo parlamento porque não houve penetração e apenas sexo oral e então ele não mentira quando afirmara que não fizera sexo com Monica. Essa sutileza técnica certamente não seria levada em conta num hipotético caso similar no parlamento brasileiro.

No Brasil um político dificilmente será cassado ou perdera votos por causa de ter atividades sexuais fora do casamento. Aqui os temas preferidos são sempre os que dizem respeito a uma possível corrupção.

Como logo estaremos envolvidos numa nova campanha presidencial e Lula, mais do que nunca, é o candidato do sistema, vamos ver como a nossa mídia vai se comportar dessa vez quanto aos temas que dizem respeito à vida privada dos candidatos.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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