Encontro no Ritz

Por José Antônio Moraes de Oliveira

Dos quase quatro mil soldados do 12º Regimento de Infantaria do Exército dos Estados Unidos que desembarcaram na Normandia, em 6 de junho de 1944, menos de 900 sobreviveram para chegar a Paris e serem ovacionados por multidões que os saúdam como libertadores. Entre eles, um novaiorquino de 25 anos, destinado a ser um dos mais festejados escritores norte-americanos do século XX, Jerome David Salinger.

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Autor ainda desconhecido, o jovem J.D. Salinger fica sabendo que Ernest Hemingway está hospedado no Ritz e quer conhecer o romancista vivo mais famoso da América. Embarca em um jeep do Exército e dirige até a Place Vendôme, onde encontra o autor de "Por quem os sinos dobram" bebendo champagne em seu refúgio predileto, o bar do Ritz.

Nos anos que se seguiram, seguidores dos mitos Hemingway e Salinger fabricaram diversas versões daquele encontro entre o retraído autor de "The Catcher in the Rye" e o exuberante Papa Hemingway.

O que teriam beberam e fumado, o que teriam conversado?

Considerando que o episódio envolvia os dois mais enigmáticos escritores daquele tempo, o lendário cresceu e demorou anos para ser decifrado.

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Em 1961, 17 anos após o encontro de Paris, acontece o trágico suicídio em Ketchum, no Idaho. Quase 50 anos mais tarde, morre Sallinger, após ter passado o resto de sua vida recluso em Cornish, no New Hampshire. Então, quando se consuma o desaparecimento dos dois escritores, cartas, documentos e testemunhais são divulgados e cotejados. Um documento revelador do encontro do Ritz é a carta que Salliger enviou, no final de 1944, a Whit Burnett, editor da revista Story. Ele fala da satisfação de descobrir um Hemingway amigável e generoso, muito diferente da persona pública, de um sujeito duro e ríspido. E, ao trocarem ideias sobre literatura, Sallinger se sente lisonjeado ao ver que ambos liam os mesmos autores e compartilhavam as mesmas opiniões sobre figuras do momento, como William Faulkner, John Dos Passos e F. Scott Fitzgerald.   

Antes disso, já era conhecida uma referência de Hemingway a Salinger em carta de 1945, enviada ao crítico Malcolm Cowley, onde Hemingway elogia um jovem soldado da 4ª Divisão de Infantaria que demonstrava desdém pela guerra e um imenso desejo de ser escritor. E que teria se oferecido a enviar cartas de recomendação a editores nos Estados Unidos, o que o jovem recusou, se mostrando agradecido e até emocionado.

Algum tempo após o suicídio de Ernest Hemingway, sua ex-secretária, Valerie Hemingway, que herdou o acervo de cartas e documentos, escreveu que os autores norte-americanos mais admirados por Hemingway eram J.D. Salinger, Carson McCullers e Truman Capote. E mencionou a existência de um exemplar autografado de "The Catcher in the Rye" na finca do escritor em Havana, Cuba. E deixou uma interrogação - como não se sabia de um novo encontro dos dois - quando Salinger teria autografado e entregue o livro a Hemingway?

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Assim como é certo que os dois escritores nunca mais se encontraram, também é bem sabido que trocaram cartas, reveladas no espólio de Sallinger. Algumas revelam que Hemingway foi um mentor generoso, que dirigiu palavras de encorajamento ao jovem colega:

"- Acima de tudo, você sabe ouvir, o que é importante para um escritor. Segundo, você escreve terna e amorosamente, sem fazer o leitor chorar.

Fico feliz ao ler suas estórias e sei que você um escritor maldito de bom."

Em resposta, Sallinger escreve de um hospital militar na Alemanha, onde se recupera de stress de combate:

"Não há nada de errado comigo, mas vivo em um estado constante de desânimo e seria bom falar com alguém são como você (...). Escrevi mais algumas das minhas histórias incestuosas, vários poemas e parte de uma peça.

Se sair do exército, talvez termine um romance muito sensível que tenho em mente (...). E eu mesmo poderia ser um Holden Caulfield (...)."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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