Este dia há de vir antes do que muitos pensam

Por Márcia Martins

Quando tudo isto terminar, e eu tenho uma fé absurda de que este dia há de vir antes do que muitos pensam, vamos todos e todas para as praças, parques e espaços públicos de lazer respirar sem medo, aspirar o perfume das árvores, sentar e observar as folhas a cair ou simplesmente mirar no horizonte ou olhar o céu, esteja o firmamento a cor que melhor lhe servir naquele momento. Vamos encontrar a magia nas folhas dançando a valsa da desocupação das plantas. Vamos descobrir a poesia existente na brisa que sopra mesmo na ausência dos ventos. Vamos permitir escutar os sons que gritam quando todos os silêncios emudecem ao nosso redor.

E logo ali, mais adiante, e eu tenho uma crença enorme de que este dia há de vir antes do que muitos pensam, quando esta pandemia do Coronavírus nos der uma folga, vamos todos e todas esbanjar carinhos nos familiares, amigos, colegas, vizinhos e conhecidos. Quando este medo do contágio e disseminação do vírus diminuir, vamos agradecer o vizinho que nos estendeu a mão nos dias de isolamento com um bolo feito fermentado no agradecimento. Vamos enviar umas flores para a amiga que se dispôs a lhe trazer um pote do mais delicioso feijão temperado com delicadeza, apesar deste gesto, na época, representar um risco ao confinamento tão aconselhado.

Nos primeiros dias do fim do isolamento, e eu tenho uma esperança tão inabalável de que estes dias hão de vir antes do que muitos pensam, vamos chamar reuniões com os aniversariantes destes períodos de distância social e cantar um enorme e caloroso 'Parabéns a Você' coletivo e transformar todos os abraços virtuais em enlaçamentos reais de deixar todos presos num afeto sem igual. Vamos dizer em alto e bom som, ao vivo agora e não só pelas redes virtuais, como os (as) amigos (as) são importantes nas nossas vidas, como precisamos deles para dizer o que queremos e o que é necessário ouvir, mesmo que, por vezes, as palavras magoem, mas só eles podem proferi-las.

Assim que as estatísticas e os números indicarem que existe um certo controle da tal Covid-19, e eu juro que tenho um pensamento muito positivo de que estes dias de um certo controle hão de vir antes do que muitos pensam, não seja econômico nos afagos, não seja avarento nas declarações de amor, não poupe as atitudes de trocas de afetos. Beije muito. Distribua sorrisos. Ofereça-se como ouvinte. Aperte as mãos. Faça cafunés. Deite a cabeça nos ombros e colos que lhe são mais fraternos. Demonstre seu carinho. Ame mais e muito e todos os novos dias futuros. Ninguém nunca perdeu por dar amor. Só perde quem não quer ou não sabe receber.

Quando que pensamos em ficar 30 ou 40 dias trancados dentro de espaços fechados, ainda que para muitos de nós, repletos de conforto? E os que não têm suas casas e apartamentos para se proteger do vírus, como estão? Quando que pensamos em ficar fechados 30 ou 40 ou até mais dias sem ver nossos irmãos, filhos, netos e familiares, ainda que possamos, graças às redes sociais, interagir com eles diariamente? E os que não têm mais seus parentes ou não dispõem de tecnologia para receber notícias? Quando que pensamos em insistir num afastamento mínimo do próximo nas farmácias, armazéns e supermercados em que ainda podemos ir? 

Então, quando tudo isto for uma página infeliz da nossa história, quando o presidente Jair Bolsonaro compreender que se trata mais do que uma "gripezinha" e deixar de agir como um irresponsável, quando nós tivermos chorado os nossos mortos, e eu tenho um otimismo de que este dia há de vir antes do que muitos pensam, vamos dar mais valor às nossas vidas, aos nossos amores, às nossas liberdades, às nossas famílias, aos nossos filhos, aos nossos amigos, aos nossos momentos, aos novos dias e noites que iremos escrever com outros olhares. 

 

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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