Eu não sou diferente de ninguém

Por Márcia Martins

Era uma segunda-feira, 16 de março, uma tarde ensolarada linda em Porto Alegre e, por volta das 16h, retorno de uma consulta médica de rotina desanimada. O doutor que me acompanha desde maio de 2016 aconselhou (sabendo que sigo à risca suas orientações) que eu fizesse um isolamento, que até então não tinha ainda as nomenclaturas que passaram a lhe fazer companhia com o decorrer da pandemia do coronavírus. Bastante contrariada - um pouco pelo desconhecimento da profundidade da doença que se abatia sobre o mundo - tive que adotar o isolamento, falado pelo médico, e que desde a sexta-feira, 13, vinha sendo martelado pela minha filha.

A minha rotina tem sido invariavelmente trancada dentro de casa desde aquela tarde de segunda-feira. Sim, sou uma afortunada porque tenho livros para ler, DVDs para me distrair, links de meditação para aliviar a mente, canais de televisão fechada para não me atolar só com notícias sobre o Covid-19 e assinaturas de streaming para ver séries e filmes. Também tenho reuniões online da diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS e da executiva do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre. Tornei-me uma assídua consumidora de lives e adoro quando a turma da faculdade resolve promover um encontro virtual.

Completo nesta quarta-feira, 20 de maio, o meu 66° dia de confinamento. Minhas duas ou três saídas necessárias foram para tomar a vacina da gripe (duas vezes porque fui numa data errada) e para realizar um procedimento médico já agendado. Desço umas três vezes por semana até a frente do prédio (que não tem elevador o que diminui o risco de contágio) para levar o lixo na rua e pareço uma astronauta de tão paramentada com álcool gel, luvas e cuidados mais do que recomendados. Quando a minha filha deixa as compras do supermercado na porta do meu apartamento, que ela faz para mim de 15 em 15 dias, eu pareço uma doida dando banho de álcool nos produtos.

Choro muito de vontade de apertar a minha filha. Soluço, emocionada, quando desligo o celular após fazer chamadas de vídeo e ver o rostinho dela na tela. Aliás, não tem um só dia que lágrimas não sejam derramadas de saudades da filha, do neto canino, dos familiares, dos amigos com quem que convivia mais assiduamente. Acho que até contei aqui no portal em alguma coluna, mas vou repetir: eu chego a estar com saudades de fazer compras, de caminhar pelo centro, de ir ao supermercado, de perambular pelas ruas do bairro Cidade Baixa e Bom Fim e de levar o neto canino Quincas Fernando para brincar com os cachorros nas praças e nos cachorródromos.

Logo, eu não sou diferente de ninguém. Tenho os mesmos sentimentos, emoções e anseios que qualquer ser humano. Se está difícil para alguém não ver seus familiares, juro que também está bem complicado para mim. Mas sigo resistindo. Se está tentador para alguém aproveitar os lindos dias de sol para se espaldar nos parques da cidade, confesso que também está bem convidativo para mim. Mas sigo evitando. Se está desconfortável para alguém ter que colocar a máscara toda vez que precisa efetuar alguma atividade básica, como levar o lixo no térreo do edifício, reforço que está bem chato para mim. Mas não faço nada, absolutamente nada, sem a máscara no rosto.

Por isso, me espanta ler a matéria que saiu no Correio do Povo no domingo, 19, feita pelo meu amigo Felipe Samuel e com a manchete "Milhares ignoram recomendações contra Covid-19 e lotam Orla do Guaíba". As fotos do Mauro Schaefer que ilustram a reportagem mostram famílias curtindo um sol, sentadas na grama, sem nenhum tipo de proteção, sem distanciamento, com todos se tocando e inclusive fazendo roda de chimarrão. Será que eles sabem algo que não me contaram? Será que eles tomaram alguma vacina secreta contra o Coronavírus? Será que eles são superiores e podem se expor que nada irá lhes acontecer?

Não sei se estou assustada demais com o Covid-19. Não sei se por ser portadora de uma doença autoimune estou com medo de tudo. Não sei se ver os depoimentos de familiares que perderam parentes para o Coronavírus sem poder sequer se despedirem dos seus entes me deixou com os nervos à flor da pele.

Mas tenho certeza absoluta que, se cada um estivesse exercendo seu papel de cidadão e cidadã e adotando as medidas determinadas pela OMS, os números do Coronavírus no Brasil não estariam assim me deixando triste, desanimada, preocupada e sem saber ainda quantas vidas ainda iremos chorar. No fechamento deste texto, na madrugada da quarta-feira, 20 de maio, 1.179 mortes no Brasil nas últimas 24 horas, 17.971 óbitos no total e 271.628 infectados no País. E no meio desta pandemia, não temos nem um ministro da Saúde.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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