Faça chuva ou faça sol. Que isto acabe logo!

Por Márcia Martins

Invariavelmente, ano após ano, fico no aguardo do Inverno aqui na Região Sul, porque até onde eu saiba lá pelas terras do Norte e Nordeste ele não é tão rigoroso. Pode ser que pelas profecias do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, a partir deste ano, esta situação se inverta com a transferência destes locais para o Hemisfério Norte. A entrada da estação mais fria de todas as quatro é sempre saudade por esta que vos escreve pelas possibilidades que traz de hibernação, enfurnamento, acolhimento, pés para cima do sofá aquecidos por pantufas e cobertores, longas sessões de filmes na televisão fechada, leitura de livros e goles generosos de vinho tinto.

Mas, ao completar, nesta quarta-feira, 1° de julho, meu centésimo oitavo dia do mais completo e total isolamento, tudo o que eu desejo, neste estágio em que me encontro, é sair de casa, abanar as tranças na rua, saracotear pelos parques, entornar taças de vinho na companhia de amigos e amigas e ver filmes sim, mas nas telas imensas dos cinemas. E, embora goste muito de ler, e tenha vários títulos a me desafiar empilhados no armário da sala para serem devorados, não consta dos meus planos uma maratona de leitura nos próximos 60 ou 90 dias.

O Inverno é propício para ficar dentro de casa e aproveitar o aconchego do lar. Mas não depois de 108 dias confinada, com umas três ou quatro saídas, apenas para o mais essencial do essencial. O frio que o Inverno carrega encurtando os dias e alongando as noites é muito atrativo para programas domésticos, comidas fumegantes e sessões de filmes nos canais de assinatura. Mas não após um exaustivo período superior a três meses alternando o canto do sofá para que ele não afunde de um só lado. A baixa temperatura que predomina no Inverno favorece um período letárgico e uma fase de dormência. Mas não quando a pessoa praticamente dorme uma grande parte do tempo.

Então, em 2020, que já é conhecido como o ano que não deveria ter acontecido ou aquele que jamais será esquecido, eu não vou aplaudir e nem comemorar o Inverno. Na realidade, pouco me importa se está um calor de rachar a moleira ou um frio de renguear cusco. Tudo o que mais desejo é que este confinamento termine. Para eu usufruir das altas ou baixas temperaturas. Tudo o que mais imagino é que um dia vou acordar e isto tudo vai ter passado. Para que todos possam voltar as suas vidas antigas. Tudo o que eu quero é calor ou frio, desde que as pessoas possam ir para as ruas, caminhar, correr, lagartear, sem a preocupação com o tal do Coronavírus.

Faça sol ou chuva. Dias curtos ou longos. Noites breves ou prolongadas. Temperaturas geladas de assustar quem foge para rua ou de prender quem quer ficar dentro de casa sob o conforto do ar condicionado. Só o que me faria extremamente feliz é saber que o vírus está controlado, que descobriram um remédio, que inventaram uma vacina, que a doença não atingiu alguém muito próximo das minhas relações e que, ao final de tudo, as pessoas aprenderam, ainda que na obrigação, lições importantes sobre o coletivo e a empatia.

Na terça-feira, 30 de junho, no meu 107° dia de confinamento, debaixo de chuva e um frio arrasador, o meu pai, o jornalista Fernando Antônio Cóssio Martins, 85 anos, foi enterrado no Cemitério São Miguel e Almas, depois de mais de um mês internado na UTI do Hospital Mãe de Deus. A sua cerimônia de despedida não tinha mais do que 12 pessoas. Ele não morreu em decorrência de Coronavírus. Foi acometido de uma série de sintomas irreversíveis agravados pela idade e condições pré-existentes. Mas, pelos cuidados com a Covid-19, teve um velório rápido e com restrições de presenças de pessoas do Grupo de Risco. E, mesmo sabendo que ele já não estava mais ali, é um quadro muito ruim enterrar algum ente querido assim.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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