Falsas relembranças

Por José Antônio Moraes de Oliveira

09/05/2024 17:09
Falsas relembranças

?O amanhã de hoje não é mais o que era ontem?

Paul Valéry

Na primeira vez que botei os olhos nele, me pareceu uma pessoa comum, sem nada de especial. Mas algum tempo depois, percebi que estava enganado. Aconteceu em uma cafeteria cujo nome não guardei, em uma cidade onde eu nunca havia estado antes. O homem usava um terno de riscas, camisa branca de colarinho  e uma gravata borboleta floreada, do tipo que ninguém mais usa.

***

Não sei onde eu estava com a cabeça, mas na hora, achei que era alguém que já encontrara no passado. Mas sem lembrar de onde nem quando - talvez em sonho ou pesadelo? Mas quem entra agora no café é um personagem real, de carne e osso, com uma ridícula gravatinha de flores roxas e amarelas. Vem até o balcão onde eu estou tomando um café-com-leite e pede igual. Senta na banqueta ao meu lado, sorri e dá bom dia. A voz é anasalada, com um sotaque vagamente familiar.      

Pelo canto dos olhos vejo ele afastar o açucareiro usando as costas da mão esquerda, repetindo o gesto que eu fizera uns minutos antes. E ali ficamos, quietos e silenciosos, dois estranhos, sem saber um do outro, enquanto tentam lembrar quem está ao seu lado. Termino o café-com-leite e peço mais um. O gravata-borboleta-floreada me olha de viés e faz pedido igual. Naquele momento, ele ajeita a gravatinha, com um gesto de mão que lembra alguém que conheci muito bem, mas não sei quem. 

***

Um tanto aturdido e sem entender o que estava acontecendo, saio da cafeteria e sigo rua acima. Respiro fundo, uma, duas,  três vezes. Então me dou conta que não paguei a conta e volto até a cafeteria. Mas não há ninguém sentado no balcão usando gravata borboleta. 

***