Invernidades

Por Fraga

Nada de se queixar de frio no trabalho. Lá fora faz a mesma temperatura para os desempregados.

No inverno, chegar é meio caminho para aconchegar. 

Frio de 5º. O mínimo que se pode fazer pelos termômetros é pôr cachecol no pescoço deles.

No rigor deste inverno, a vingança é um prato de sopa que se toma tépido. 

No tempo em que Deus dava o frio conforme o cobertor, o desamparo social não dava esse povaréu todo nas ruas. 

Ao ver a luz gelada no ar, o rigoroso inverno ficou tão excitado que teve uma estalagmite. 

A temperatura baixou tanto no sul que já foram vistos vários carros circulando com suas calotas polares. 

No frio do sul, a cobertura jornalística procura os sem-teto, quando o que esses querem é ser procurados por cobertores.

No inverno, a sensação térmica castiga a todos, mais ainda quem tem o salário congelado. 

A campanha do agasalho funciona mesmo: a gente não vê publicitário passando frio. 

Nas noites de inverno, dorme-se com esse verão portátil - o split. 

Para os corruptos e fraudulentos, Deus dá o frio conforme o acobertador. 

Por mais dura que seja a realidade invernal, de noite ela ainda serve de colchão sob as marquises. 

No inverno, praia de nudismo é uma pouca vergonha: todos chegam agasalhados. 

Comércio reabre e deve haver duas liquidações de inverno: nas lojas e nos hospitais. 

Um cafezinho tem o seu valor no inverno. E as cafeterias já estão explorando o consumidor. 

No inverno, se acentuam os altos e baixos sociais: para uns, Aspen, Bariloche, Saint Moritz; para outros, submundos e subterrâneos. 

Em certos dias de inverno nos pampas os termômetros tomam sorvete de mercúrio. 

No Pólo Norte, às vezes a temperatura cai tanto que chega ao Pólo Sul.

Como diria um gaúcho com chimarrão: a temperatura é de água quente de chaleira mas a sensação é de garrafa térmica. 

A geada é o orvalho sem delicadeza alguma. 

No inverno, tem gente que sonha em vão: em vão de marquises, em vão entre prédios, em vão de viadutos.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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