Jornalismo é, antes de tudo, um sacerdócio

Por Márcia Martins

Na terça-feira, 7 de abril, foi comemorado, no Brasil, o Dia do Jornalista. Nas redes sociais proliferaram postagens enaltecendo a profissão. A maior parte elogiando aqueles e aquelas que persistem em honrar este exercício cada vez mais necessário no cenário atual do Brasil e do mundo e, ao mesmo tempo, tão precarizado, seja na retirada gradual de suas qualificações acadêmicas ou na baixa remuneração. Entrei para o mundo da comunicação em 1979 ao pisar na Famecos (PUCRS), para cursar Jornalismo, de onde sai com o canudo, desprezado depois em 2009 pelo STF como exigência para a prática da profissão. E ainda hoje lutamos para reverter esta barbaridade.

Com a experiência de 31 anos de jornalismo (iniciei como repórter de Economia no Jornal do Comércio em 1983 e encerrei em dezembro de 2014 na Chefia de Reportagem da Secretaria de Comunicação do Governo Tarso Genro), fiquei emocionada com duas mensagens do Dia do Jornalista. A primeira saudava o dia daquele que vê a pauta cair, a fonte te deixar sem resposta, que trabalha com um deadline curto (quase impossível, mas cumpre), que engole um café às pressas no bar da Redação, que insiste em ganhar mais uns segundos para concluir o texto, cancela os compromissos porque tem plantão no domingo e gasta todos os argumentos para assegurar uma exclusividade na matéria.

E ainda assim é feliz. E apesar de todos os contratempos é realizado. E perguntado se trocaria de profissão responde com o peito estufado de orgulho "jamais, eu nasci para o jornalismo". Todas as situações descritas acima eu vivenciei nos veículos em que trabalhei como repórter: Jornal do Comércio, Zero Hora, Correio do Povo. E algumas, não descritas, como implorar para a fonte te atender, quando o trabalho é de freelance e, sempre que pode, a fonte prioriza a grande imprensa. Explicar, naquela época (não sei como é hoje, creio que pouco mudou), que o Jornal da Ufrgs, a Revista Amanhã ou o Versão dos Jornalistas tinham importância e leitores era um penoso trabalho.

Tudo o que se fala sobre dificuldades da profissão de jornalista, como o reduzido piso da categoria, as horas extras não pagas, os feriados não curtidos, o pouco tempo para acompanhar o dia a dia dos filhos nas escolas pelas incongruências das jornadas, o assédio moral e até sexual sofrido pelas mulheres, as funções multimídias e um único salário ou a pejotização perde importância quando percebemos que fizemos a diferença na vida de alguém com o nosso trabalho. Quando uma denúncia reverteu uma injustiça, mexeu em estruturas erradas e que prejudicavam famílias, resultou na fiscalização do término de uma obra ou na colocação de um asfalto numa vila.

Outra mensagem que mexeu com o meu passado profissional (uma vez que estou aposentada), foi a que continha a frase do Cláudio Abramo, jornalista brasileiro falecido em 1987 e responsável por mudanças fundamentais no estilo, formatação e conteúdo dos jornais Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, no final dos anos 50 e início dos 60. Na postagem sobre o Dia do Jornalista, o pensamento de Abramo: "o jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter". Porque acima de tudo, precisamos estar sempre questionando todos, ainda que muitos se julguem superiores, e ao final, nada mais entregamos (ou deveríamos) aos leitores, telespectadores, ouvintes e internautas do que a notícia ética, imparcial, apurada, com todos os lados entrevistados e em espaços semelhantes.

Por tudo isto que o jornalismo representa. Pela função transformadora que ele tem na sociedade - desde que a frase de Abramo seja seguida. Pela importância indiscutível que o jornalismo assume em momentos tão tensos como nesta pandemia do Covid-19, eu jamais poderia ter escolhido outra profissão. Para mim, jornalismo é um sacerdócio - sem desrespeitar jamais as outras profissões - do qual os nascidos para tal missão nunca conseguem de fato se afastar dela. Desde que começou aqui no Brasil a escalada preocupante da transmissão do coronavírus, eu respiro notícias, estou sempre ligada nas tvs, acompanhando as redes sociais e jamais me descuido das atualizações.

Nesta passagem do Dia do Jornalista, desejo muita coragem e foco para todos e todas que são os responsáveis por informar os brasileiros sobre esta pandemia e que se protejam para sobreviver. Dentro do possível, trabalhem de casa.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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