Algumas vezes, encontramos pelo caminho pessoas que não conseguimos decifrar e que nos deixam intrigados sem saber o porquê. Foi o caso do guia de turismo de minha primeira viagem à Espanha. Um homem com ombros largos e cara de bebê entra em nosso ônibus de excursão, se apresentando em Catalão:
" Bon dia, el meu nom és Xabier i seré el vostre guia de viatge".
Mas nota nossas caras de espanto e traduz em espanhol sua saudação, falando de seu prazer em usar o idioma nativo da Catalunha, que foi proibido por mais de 20 anos, na ditadura de Francisco Franco. E ainda, que o catalão é um dos antigos idiomas falados na Europa, misturando Celta, Latim clássico, Occitano, Valenciano, Galego e Românico.
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Para quem visita a Espanha pela primeira vez, não é fácil entender o significado dos mistérios e místicas do que se chama Hispanidad, um sentimento atávico pela história e cultura da terra ibérica. Algo indefinível mas que está presente nos cantares islâmicos, no zapateado flamenco e no silêncio das magníficas catedrais. Para provocar o Xabier, pergunto o que se faz para conhecer a Espanha profunda. Ele não hesita - devo entrar nos subterrâneos do Vale de Los Caídos, percorrer as judiarias de Córdoba e Cadiz e ouvir estórias de vida de bascos, catalões, navarros, andaluzes, valencianos e aragoneses, que fazem a diversidade humana do Continente Ibérico.
Enquanto o ônibus navega por paisagens que desafiam descrição, fala ainda que sua Catalunha sobreviveu aos fenícios, etruscos e mouros, mas quase sucumbiu à feroz ditadura franquista.
É quando percebo rancor em sua voz, quando conta que seu pai foi fuzilado pela Guardia Civil em 1935. Levanta o jaleco, mostra o afiado canivete de mola que herdou do pai, resmungando entre-dentes:
"La venjança és un plat per ser servit fred...".
Traduzido, não ressoa tão ameaçador com em cartalão:
"A vingança é um prato que se serve frio...".
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