Mania bem brasileira

Por Flávio Dutra

10/09/2018 13:33

Conheci o CEO de uma importante empresa, que mantinha um relacionamento em paralelo com a vistosa assistente dele. Ao ser questionado sobre as implicações do caso, aliás, de conhecimento geral, saiu-se com essa justificativa:

- Ela transa é com a instituição! - dando a entender que a moça oferecia seus favores sexuais mais à pessoa jurídica que ele representava do que à pessoa física. Era uma alpinista social, se bem que a pejoratização sexual já não é mais novidade nos ambientes corporativos.

Desde então, o bilao (também apelo para os apelidos, de vez em quando) do referido CEO ficou conhecido como ?a instituição?. O código logo passou a ser compartilhado por outros diretores, também bandalhos, da instituição, digo, da empresa, nos seus relacionamentos extraconjugais.

É bem brasileira essa mania de usar eufemismos e apelidos, ou mesmo expressões tidas como sofisticadas, para tudo e para todos. Gourmetizaram a linguagem muito além do natural dinamismo da língua. Isso ocorre, sobretudo, na imprensa esportiva. Cada vez mais observo o uso de termos que, no meu tempo de aplicado repórter setorista, soariam como pedantes. As entrevistas do técnico Tite na Copa eram recheadas dessa gourmetização e até hoje estou tentando descobrir, por exemplo, o que é, do que se alimenta e onde habita o tal ?externo?. Acredito que seja o antigo ponta, mas vá  saber!

A reportalhada acaba adotando os termos e, de tanto repetirem, eles, os termos, se incorporam ao linguajar do dia a dia. Um exemplo clássico é o tal ?desconforto muscular?, que ouço num programa esportivo sim, noutro também. Não resisto novamente a cotejar com a forma que usávamos no passado, quando existiam duas gradações de lesões musculares, dependendo da quantidade de fibras rompidas: a distensão, que era um problema sério, e sua versão menos grave, o estiramento. Todo o resto era contusão.

E as novas funções nas comissões técnicas, que fazem a alegria dos cronistas mais eruditos? Eles adoram falar na importância dos fisiologistas ou dos analistas de desempenho, símbolos da modernidade do futebol. Bandeirinha virou ?assistente? e aqueles auxiliares, que ficam atrás do gol, atendem pelo pomposo título de ?adicionais?, embora para estes eu prefira a definição do  Pedro Ernesto Denardin, que batizou os sujeitos de samambaia ? apenas enfeitam o ambiente.  Já o antigo marrecão, agora é gandula e os aspirantes do passado se transformaram no ?time alternativo?. Gourmetizaram as funções no futebol! Suspeito, mas não tenho certeza, de que seja mais um efeito do politicamente correto.

Pode parecer conservadorismo, mas ainda prefiro simplicidade nas terminologias, nas definições e nas explicações, para que sejam mais substantivas e menos adjetivadas. Isso me remete à resposta de um conceituado escritor ao cronista estreante, sedento de elogios e falsamente modesto, que pediu uma ?crítica severa? sobre seus textos.

- Um influente líder politico brasileiro, de minhas relações, considerava sem sentido quando alguma autoridade anunciava que ia instaurar ?um rigoroso? inquérito. Para ele, o inquérito devia ser apenas um inquérito, isento e sério.  O rigor não caberia.

E completou, direto ao ponto, num exemplo de como uma única palavra muda tudo:

- Posso te assegurar que vou seguir a linha dele e fazer uma crítica sincera, pois severo não combina muito comigo...

Pois é, severo e sincero rimam, mas não combinam. Até concordo em latitude e longitude com a assertiva, mas conhecendo a natureza humana e a qualidade dos textos em análise, acredito que o tal cronista preferiria a forma do elogio fácil.  Afinal, um pouco de cinismo nunca fez mal a ninguém.