Manias e pequenas excentricidades do isolamento

Por Márcia Martins

29/07/2020 15:36 / Atualizado em 29/07/2020 14:06

Neste isolamento decorrente da pandemia do Covid-19, cumprido à risca pelas pessoas responsáveis, que compreenderam a gravidade do vírus, e que podem realizar o trabalho de casa ou que já estão aposentadas, algumas manias esquisitas, vícios antigos e caprichos estranhos vão sendo revelados. Ou melhor, começam a gritar insistentemente pelos cantos do esconderijo onde a pessoa está irremediavelmente só, atendendo às normas mais rígidas da OMS, e riscando no calendário o número de dias que já foram contabilizados no tal distanciamento.

Depois de 135 dias no mais completo confinamento, assinalados na agenda na terça-feira, sem filha, sem neto canino, sem familiares, sem amigos (as) reais, isto é, só contatos virtuais, sem passeios na quadra, sem idas ao supermercado e sem caminhadas pela Redenção, percebi que cometo algumas atitudes bem esquisitas. Não me julguem tão mal pelas confissões que escreverei a seguir. Não escondam as crianças. Não chamem o síndico. Não chamem a polícia. E nem o hospício (exceto por ter me citado frases de uma música do Lobão, mas como é parceria com o Cazuza, ainda há salvação).

Uma mania que desenvolvi é deixar o incenso do dia, a ser aceso à noite, separado perto do porta-incenso desde a hora em que acordo. Eu tenho um fornecedor de incenso sim e que entrega a mercadoria em casa. É um argentino ou uruguaio (não tenho certeza) que antes da pandemia vendia nos bares da Cidade Baixa. Pois no saco com 30 varetas, há incensos apropriados para os dias da semana. Na segunda-feira, deve ser usado o incenso de cor amarela e cheiro de camomila, indicado para evitar brigas e discussões. Funciona como um excelente antídoto para eu não brigar comigo mesma.

Mas não me perguntem o motivo de eu me antecipar e deixar o incenso separado com tamanha antecedência como se tivesse uma série de tarefas para fazer e que poderiam atrapalhar tal atividade à noite. Juro que é uma excentricidade que adquiri com o isolamento (para não dizer loucura o que poderia até espantar vocês, meus leitores e minhas leitoras). Quarta-feira por exemplo, é o dia do incenso de canela para atrair prosperidade e dinheiro (meta quase impossível trancada dentro de casa). Mas vai saber!

Separar os DVDs e CDs por ordem alfabética realmente pode ser bem neurótico não é? Pois, eu já fazia isto antes do distanciamento. Com o confinamento e as ideias geniais brotando, porque não mudar a disposição deles? Agora estão todos agrupados pelo tipo de música, preferência de audição e estes detalhes. Os do Chico Buarque (os mais acessados) ? e que somam mais de 20 CDS, fora os DVDs ? estão bem na ponta do armário da sala para ficar mais fácil de pegar. Seus vizinhos são Caetano, Gil, Cazuza, Cássia, Legião, Paralamas, Bethânia. Elis Regina e sua filha Maria Rita têm um altar só para elas. Sagrado.

Quantas vezes vocês elaboram a lista do supermercado? Não estou fazendo as compras para casa. Grupo de Risco e tal é melhor não facilitar. A minha filha, de 15 em 15 dias, passa aqui em casa, recolhe a lista e vai no supermercado para mim. Mas, no mínimo, duas vezes por semana, pego uma folha branca com linhas e anoto tudo o que irei precisar. Repito tudo de novo. Coloco os títulos com uma cor de caneta e sublinhados e os itens em outra cor. Os produtos de limpeza são escritos com caneta rosa, mas os detalhes, como Clorofina ou Detergente de Louça aparecem logo embaixo anotados com caneta bic verde.

E os vinhos? Não que eu seja uma doida que se embriaga toda noite. Mas tenho um certo estoque, digamos, robusto para me acompanhar nas madrugadas. Estão agrupados no canto do armário que reservei para eles por sabores, famílias ou sei lá. Assim, os Malbec juntos, os Cabernet Sauvignon abraçados e os Chardonnays de mãos dadas. Nem pensem que sei algo de vinho, vou mesmo pelos rótulos, mas até tenho preferências.

Se eu contar que consigo, no meio destas neuroses, ainda participar de reuniões virtuais sobre feminismos e manter a agenda toda atualizada com as lives de músicas que preciso assistir, vocês vão dizer que eu estou exagerando? Acho que eu já tinha, antes da pandemia e do isolamento, uns certos traços de TOC. Complicado vai ser querer que eu viva, quando isto acabar (há de acabar), no novo normal.