Meu joelho esquerdo

Por Marino Boeira

Há, aproximadamente, um ano venho tendo problemas com o meu joelho esquerdo sem que eu saiba exatamente quando tudo isso começou. Provavelmente uma batida em algum lugar e tempo esquecidos do passado, que foi evoluindo até se transformar num problema básico no meu dia a dia, quase tão importante quanto a falta de dinheiro ou de grandes expectativas no futuro.
Já dediquei a essa parte do meu corpo cuidados que nego para outras, certamente muito mais importantes. Fui a ortopedistas clássicos, médicos especialistas em dor, quiropraxistas, acupunturistas, massoterapeutas, fisioterapeutas. Tomei anti-inflamatórios, relaxantes musculares, usei arnica e o mais caro de todos os tratamentos, a infiltração com ácido hialurônico importado.

Quando me perguntam, e daí? - Lembro aquela piada do paciente que, quando o médico pergunta como estava, ele responde - só dói quando eu respiro, doutor.

O meu joelho esquerdo está assim, só dói quando eu caminho.

Só minha amiga Ingrid Schneider, que tem um problema semelhante, ficou solidária comigo.

A maioria pensa assim - É câncer? Não? Então não incomoda.

Não é câncer, mas dói.

Fica fácil de entender, então, porque eu estou gastando esse espaço nobre de Coletiva.net para escrever sobre joelhos.

Ou melhor, sobre um joelho, o meu joelho esquerdo.

Um amigo me disse que o problema todo foi que descemos da árvore muito cedo. Que a humanidade ainda não estava preparada para isso. Que essa dobradiça, parece que o joelho é basicamente apenas uma dobradiça, ainda não tinha passado por todos os testes quando foi colocada no mercado.

Leio no Google que o joelho é a maior articulação do corpo humano, que une o fêmur à tíbia e à patela e que ele é uma estrutura de absorção de carga e energia que aguenta todo o peso corporal quando andamos e corremos.

Devia ter sabido disso antes, mas comecei a usá-lo ainda quando não havia o Google e o fui gastando sem maiores cuidados.

Agora pago por isso.

Meu consolo é saber que o joelho quase nunca aparece na literatura e no cinema e, por isso, raramente vira notícia, ao contrário do coração e das mãos, por exemplo, que já inspiraram mil artistas.
Isso para não falar nos pés, que geraram tantos fetiches, principalmente entre os homens, a ponto de se tornar um verbete nos dicionários: podolatria.

Pesquisadores da Universidade de Bolonha descobriram que entre as preferências sexuais por partes do corpo, pés é a mais popular. O resultado parece corroborar o estudo da terapeuta brasileira Deise Gê, feito com 1500 homens, entre 18 e 60 anos, que aponta que pés e sapatos são os principais elementos fetichistas dos brasileiros.

Sobre os pés, tem até um filme maravilhoso, 'Meu Pé Esquerdo', com a Daniel Day-Lewis (ganhou o Oscar de Melhor Ator), com direção de Jim Sheridan, de 1990.

Os joelhos não têm esse carisma. Raramente são notícias. Nessa semana, procurando referência sobre eles na mídia, a única coisa que li foi que Marina Ruy Barbosa ralou os joelhos ao filmar uma cena do filme 'O Sequestro Relâmpago'.

Lembro dois filmes que trataram de joelhos. Um especificamente, 'O Joelho de Claire' (Le Genou Du Claire), dirigido por Éric Rohmer, de 1970, no qual Jean-Claude Brialy se apaixona pelo joelho de Claire. No outro, o 'Recomeço', o joelho é mais um problema que solução. É um filme norte-americano de 2011, no qual um jogador famoso do futebol americano quebra o joelho e fica impossibilitado de continuar sua carreira. Quinze anos depois, por um truque mágico, ele volta àquele momento fatídico e... bem, não vou continuar contando, pois vá que alguém queira ver o filme na Netflix.
Os grandes revolucionários tratavam com desdém o joelho.

Uma indicação desse desprezo é a famosa frase "É melhor morrer de pé do que viver de joelhos". Parece que, originalmente, pertenceu ao revolucionário mexicano Emiliano Zapata, mas tem várias versões atribuídas a Che Guevara, a Dolores Ibarruri, La Pasionaria e a Jose Marti, que fez uma frase mais completa: "Mais vale um minuto de pé do que uma vida de joelhos".
O diretor da revista Charlie Hebdo, Sthefane Charobnier, usou essa mesma frase em desafio aos terroristas antes que eles o matassem em 2011. Dita em espanhol, onde ela foi usada pela primeira vez, tem muito mais força do que na sua versão para o português: "Mejor morir de pie que vivir de rodillas".

Finalmente, os joelhos podem ser vistos como uma arma de cura, como provou Luis Fernando Verissimo, com o seu Analista de Bagé, que era mais ortodoxo que pomada Minancora e Pastilhas Walda.
O analista usava a técnica do joelhaço, que consiste na implicação de uma pancada com o joelho (possivelmente o direito) em certos lugares mais vulneráveis do paciente, provocando uma dor física tão intensa que faz esquecer as dores menores, quase todas subjetivas.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

Comentários