Milagres disfarçados

Por José Antônio Moraes de Oliveira

26/03/2020 15:05

" Para entender como age o criminoso é preciso

conhecer profundamente a maldade humana.

E isso não é nem um pouco agradável".

 

" A Incredulidade do Padre Brown".

 

Ele é um dos mais fascinantes tipos da literatura policial inglesa. Uma mistura de dois personagens em um só: o detetive intuitivo e o devoto sacerdote. No entanto, o Padre Brown fez mais do que questionar dogmas da Igreja Católica e solucionar intrincados casos policiais. Ele também teria operado milagres - ou pelo menos um milagre. É o que consta no extenso lendário sobre a vida e obra do seu criador, o escritor inglês Gilbert Keith Chesterton. E o nosso convertido não é ninguém menos do que um dos maiores atores ingleses do século XX, Sir Alec Guinness.

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Em sua pouco conhecida autobiografia, "Bênçãos Disfarçadas", Alec Guinness descreve sua infância desafortunada e a penosa escalada do sucesso profisssional. Nascido de mãe solteira, não conheceu o pai nem a origem de seu nome. Ingressou na Igreja Anglicana, ainda adolescente, mesmo se considerando um ateu e cínico sobre as questões religiosas. 

Aos 18 anos, ele abandona os estudos por um emprego como redator de publicidade. Não dá certo e tenta os palcos, onde logo revela seus talentos de ator. Em 1942, um episódio lhe deixaria marcas profundas. Uma noite, quando Londres está sob pesado bombardeio da Luftwaffe, Alec Guinness procura refúgio em uma pequena igreja, onde o vigário lhe serve um copo de clarete e lhe oferece um livro sobre São Francisco de Sales. Enquanto bebe o vinho, lê sobre o santo, enquanto bombas incendeiam metade de Londres. As casas ao redor são feitas em ruinas, mas a pequena igreja permanece incólume.

Alguns anos depois, em 1954, em uma remota aldeia na França, um outro episódio sinalizaria sua proximidade com a fé religiosa. Aconteceu durante as filmagens de ?As Aventuras do Padre Brown?, baseado no conto "A Cruz Azul". Ao final de um dia de filmagens, ainda vestido como seu personagem, Alex Guinness encontra no caminho um menino, que lhe dá a mão, confundindo-o com o pároco local. O gesto do menino o faz refletir no personagem que está interpretando e no livro sobre São Francisco de Sales que leu durante o bombardeio de Londres. Justamente, na mesma época, seu filho Matthew, de 11 anos, é vítima de poliomielite e ameaçado de paralizia. Neste ponto, Alec Guinness decide rezar ao deus do Padre Brown, prometendo abraçar a fé católica, se o filho se curasse. Não muito mais tarde, o menino se recupera e ele cumpre o prometido, se convertendo ao catolicismo.

Mas o milagre tem sequencia -  durante as filmagens de ?A Ponte do Rio Kwai?, no Sri Lanka, no ano de 1957, ele recebe a notícia que a esposa e o filho Matthew também haviam se convertido. 

No mesmo ano, ?A Ponte do Rio Kwai? ganha sete Oscars da Academia de Hollywood, inclusive o de Melhor Ator para Alec Guinness.

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O grande ator faleceu em 2000, aos 86 anos de idade, deixando um legado de inesquecíveis atuações no cinema. No entanto, em suas memórias, escreveu que, de todos os grandes personagens e figuras históricas que personificou, nenhum deles foi mais gratificante do que o Padre Brown, que uma vez deu a mão a um menino francês ? e mais tarde, ao seu filho Matthew.

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