O corpo dói. Mas a mente continua totalmente inquieta

Por Márcia Martins

Alguns hábitos mudaram. Não ainda os relacionados ao sono, porque sigo sem conseguir dormir e acordar cedo. Como já cantou meu amado Chico Buarque, "eu faço samba e amor até mais tarde, e tenho muito mais o que fazer". Quer dizer, não necessariamente assim. Mas meus neurônios insistem em despertar sempre depois da meia-noite. Às vésperas de trocar de idade (é no dia 9 de junho, meu povo!), percebo que vivo numa total dicotomia. Manias antipáticas persistem. Outras tão meigas me abandonaram. E é preciso conviver na rotina com certas imposições de uma idade mais avançada.

Envelhecer não é tão ruim, mas exige de nós muita coragem. Para admitir que temos atitudes parecidas com nossos pais, tantas vezes criticadas na ousadia da juventude. Para conferir mais de uma vez se desligamos o gás e as janelas estão bem fechadas. Para elaborar uma extensa lista de itens de compras no supermercado e dificilmente segui-la ao chegar ao estabelecimento. Para nos permitir, de vez em quando, remexer nas caixas de fotos e chorar ao lembrar de alguns momentos. Para enfiar as mãos já marcadas nas gavetas das memórias e indagar se tomamos a decisão correta naquele passado.

Ultrapassar a barreira dos 60 anos (ou mais) é desafiador porque nos intima a olhar os espelhos com os cantos do rosto esticados para diminuir a aparência das rugas. E se pensarmos bem, são elas apenas sinais da experiência. Isso até pode nos tranquilizar. Porque nos impõe aceitar que talvez uma carência maior nos habite e nos faça pedir mais afeto de familiares e amigos. E que mal há em demonstrar eventualmente que uma abundância de afagos, abraços e carinhos sem ter fim é um fermento mais poderoso que um coquetel de vitaminas?

Não conseguir apagar todas as velas do bolo de aniversário de tantas que são é um pouco frustrante, confesso. Mas eu disfarço ou me engano recordando que com bem menos idade também não tinha fôlego para encher os balões nas festas dos sobrinhos e da filha Gabriela. Em compensação, há mais de um ano nas aulas de alongamento pelo menos duas vezes por semana, estico músculos, pernas e braços sem muito esforço. No entanto, devo admitir que o relaxamento de cinco minutos ao final de cada aula é um bálsamo para qualquer movimento.

Sim. O corpo dói. Não há como negar. A coluna emite uns sons de "crek" quando me mexo subitamente. O joelho repete o mesmo barulho se fico muito tempo na mesma posição. E os braços já não se elevam com tanta elasticidade. Não fiquei crocante (hehehe). Apenas envelheço ano a ano. É o ciclo da vida. Não tem como cessá-lo. Mas a mente continua totalmente inquieta. Questionadora. Anda quase sozinha, desassossegada, descolada do meu corpo de tantas coisas que ainda pretende realizar.

Como gosto demais de comemorar meu aniversário e ser paparicada no dia (coisa de gêmeos com ascendente em gêmeos - ninguém merece), pretendia fazer uma grande festa ao completar 60 anos. A pandemia me impediu. Desde então, voltei a não revelar a idade. Descubram vocês. E, apesar do corpo que faz tais barulhos estranhos, sigo como a minha mente agitada, elétrica, faceira e em constante movimento. Porque a vida é um presente. E preciso aproveitá-la em todos os momentos. Sem desperdício. Sem medo de ousar. Porque a gente nasceu para ser feliz.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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