O Correio ressuscitado
Por José Vieira da Cunha
A edição do Correio do Povo deste 20 de setembro ignorou que exatamente cinco anos antes falecera seu ex-proprietário Renato Bastos Ribeiro, empreendedor que ressuscitara o jornal em 1986, dois anos depois de ter parado de circular, em junho de 1984, devido à crise que soterrou a Companhia Jornalística Caldas Júnior. Figura controversa na área empresarial, o empresário comprou o Correio e o ressuscitou como uma espécie de vingança para com o Grupo RBS, que, na sua visão, atrapalhava os negócios que tinha na área industrial.
A decisão foi motivada pelo desdém como foi tratado quando se dirigiu pessoalmente à redação de Zero Hora para dar sua versão em relação a um imbróglio de um de seus negócios com a Fazenda do Estado. Soa como uma motivação quase banal, mas para o empresário, pouquíssimo conhecido até então, era uma questão de honra. A compra do Correio do Povo e da Rádio Guaíba ocorreu em 3 de maio de 1986 - sem a televisão, que Renato considerava uma aquisição desnecessária para seus objetivos, até ser demovido da ideia cerca de 10 dias depois. Afinal, considerando-se a magnitude da operação, custaria quase nada...
A rádio e a tevê funcionavam precariamente, a primeira administrada por um coletivo de funcionários, a segunda arrendada por um grupo de empresários. Por isso, o que repercutiu mesmo foi o retorno do jornal, no final de agosto. O empresário assumira as dívidas todas e considerou muito prático chamar para editar o velho Correião os mesmos jornalistas que nele estavam quando deixou de circular. Quase todos aceitaram o convite para retornar à antiga redação, e a cadeira de diretor editor foi entregue a Marco Antônio Kramer.
Renato não tinha nenhuma intimidade com jornalismo nem com o universo da comunicação. Gentileza não era seu forte, a ponto de ser direto e quase ríspido em suas manifestações, mas tinha sensibilidade para atuar no mundo do negócio, onde era uma espécie de midas. Quase ignorava o dia a dia da rádio e da tevê, mas não deixava de passar regularmente pelo vetusto prédio da rua Caldas Júnior, curioso em relação à forma como fluía o processo de criação de notícias e atento para acompanhar todo o processo industrial e de circulação do jornal.
Pouco interferia nos processos da redação, com as exceções da regra... No dia 15 de novembro de 1986, momento político agitado por um processo eleitoral importante, com a redemocratização recente do país, e que elegeria deputados, senadores e governadores, visitou a redação no final da tarde e não gostou de saber que o diretor editor estava ausente. Mandou chamá-lo, e foi surpreendido com a informação de que estava aproveitando o feriado no litoral. Não pensou duas vezes para destituí-lo e na mesma hora chamou para a função o jornalista Luiz Figueredo, que dirigia o jornalismo da rádio.
Nomeara pessoas de absoluta confiança para dirigir os veículos. No jornal, seu irmão Carlos, arquiteto de profissão. Na televisão, a irmã Helena, advogada. Na rádio manteve Lasier Martins na direção, mas em menos de dois meses se desgostou com o subordinado, demitiu-o e deixou a emissora também aos cuidados do irmão. Assim como Renato, nem Carlos nem Helena possuíam qualquer intimidade com veículos de comunicação. Foram, literalmente, aprendendo no tranco.
Quando a tevê foi adquirida, eu estava lá, dirigindo o departamento de Jornalismo. Desde o início frutificou um ótimo relacionamento com Helena, uma pessoa afável e espontânea, a ponto de manifestar admiração com os apresentadores dos telejornais da Globo, que decoravam as notícias e não gaguejavam - admiração que se frustrou ao ser informada que se utilizavam de um equipamento chamado teleprompter.
Renato visitava a emissora esporadicamente, nos conhecemos ali, e quando nomeou Figueredo para a direção do impresso, sugeriu que ele considerasse chamar para a equipe "aquele rapaz lá da tevê". Figueredo já era um fraterno amigo e também não pensou duas vezes, me convocando no mesmo dia para ser secretário de Redação do Correio do Povo. Então, eu estava lá quando Renato Ribeiro fez um movimento ousado e inesperado, determinando que o diário deixasse o formato standard para ser impresso como tabloide. Com outra bomba embutida: bastava preencher um cupom que o próprio jornal publicava para passar a receber o impresso de graça em casa. Falarei desta pequena revolução na próxima semana.