O despertador toca com estridência avisando que a hora estava chegando.
São exatamente 7 horas.
Eu tinha me preparado há muito para ela.
Dentro de exatamente duas horas eu iria viver aquilo que nos filmes americanos de aventura é apresentado como ?the point of no return?
Quando o relógio marcar 9 horas em ponto, minha vida mudará totalmente.
Haverá um Marino antes das 9 horas e outro Marino, totalmente diferente, depois das 9 horas.
Volto a olhar para o relógio: são agora 7h20.
Os segundos que gastara pensando no que me aguardava às 9 horas, tinham sido mais do que isso.
Foram 20 minutos. Imaginando que pensava lucidamente sobre o futuro, tinha dormido novamente.
Nada grave.
Preciso apenas levantar da cama e cumprir o programado.
Um banho rápido.
Engolir o café com leite e comer uma fatia de pão com manteiga, deixados de véspera sobre a mesa.
Basta esquentar o café no micro, o pão já tinha sido cortado e a manteiga estava na primeira prateleira da geladeira.
Depois, vestir a roupa que está sobre a cadeira, descer pela escada os quatro andares para evitar o velho elevador não muito confiável e apanhar o táxi no ponto da esquina.
A cama, vai ficar por arrumar e a louça, suja na pia sem qualquer sentimento de culpa porque depois das 9 horas, isso fará parte apenas da minha vida passada.
Com tudo cronometrado chegarei no local onde a minha vida sofrerá uma mudança total, com mais de meia-hora de antecedência.
Tinha previsto levar um livro do Slvoj Zizek para combater a ansiedade da última espera.
Na véspera, pensara em dormir cedo para acordar bem disposto, mas o efeito tinha sido o oposto. Rolara na cama e foi só depois das duas que conseguira dormir, sempre pensando naquela hora fatal que tinha pela frente.
A hora H, o momento da grande decisão, o tudo ou nada, uma vida inteira prestes a ser radicalmente dividida.
Olho novamente o relógio.
São quase 8 horas.
Preciso mudar radicalmente meus planos.
Nada de banho ou café com leite, pão e manteiga. Apenas levantar, vestir a roupa e sair.
Tudo sobre controle.
De repente, voltam aqueles pensamentos covardes.
Vale a pena mudar tudo?
A vida está mesmo muito ruim?
É o quero mesmo, trocar o que agora é só contemplação para horas de ação?
Viro filósofo, me perguntando se não é um absurdo impor compromissos na vida.
Será que os budistas não estão certos?
Deixar a vida passar do jeito que ela quiser, sem rupturas traumáticas?
A preguiça não seria uma virtude a ser cultivada?
Olho pela última vez o relógio.
Nove horas.
Ainda bem que já passou a hora H do dia D.
Viro para o lado para dormir e começo a sonhar novamente que sou um homem de ação, fazendo coisas que vão mudar o mundo.
Felizmente, é apenas mais um sonho.