O homem que não era

Por José Antônio Moraes de Oliveira

23/07/2020 15:26 / Atualizado em 23/07/2020 15:18

?Tudo o que acontece sob os céus

é natural - inclusive o sobrenatural.?

Edgar Allan Poe.

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Em um dia de junho de 1950, um policial de Nova York, à procura de pessoa desaparecida, examinou o corpo de um homem de cerca de 30 anos que acabara de chegar ao necrotério. O boletim de ocorrência dizia que ele fora atropelado por um táxi em Times Square quando atravessava a rua com o sinal vermelho. Testemunhas afirmaram que haviam notado um homem usando roupas estranhas e que parecia "assustado e olhando os carros e letreiros luminosos, como se nunca havia visto nada igual."

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Este incidente banal acabou se transformando em uma cause célèbre, que por meio século instigou interpretações mais ou menos inverossímeis. O que se sabe é o que consta no relatório do encarregado do caso, o capitão Hubert V. Rihm, da divisão de homicídios da Polícia de Nova York. Ao liberar o corpo para ser enviado ao necrotério, o policial Rihm achou estranhas as roupas do morto - pareciam novas, mas eram antiquadas, como as de seu falecido avô. Calça xadrez, colete de veludo e echarpe em lugar de gravata. Seus sapatos tinham fivelas de metal e um chapéu panamá fora de moda. Usava longas costeletas e bigode de pontas viradas, como nos tempos coloniais - embora esta conclusão não tenha ocorrido ao capitão Rihm naquele momento. Mas, acostumado com as figuras estranhas que vagavam pela cidade, concluiu que o personagem saíra de uma festa à fantasia e estava embriagado ao atravessar a rua.

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Foi então, ao examinar os pertences do atropelado, que o dia do policial Rihm começou a ficar bizarro. Nos bolsos, havia 70 dólares em moedas quase sem uso, mas fora de circulação há muitos anos. Na carteira, um contrato de locação de estábulo para cavalo e carruagem em plena 5a. Avenida! Alguns cartões de visita e um envelope postado na Filadélfia, endereçado a mão para Mr. Rudolf Fenz. Mas um detalhe fez o capitão coçar a cabeça - o carimbo postal mostrava o ano de 1876. Intrigado, foi até os arquivos públicos, mas não achou nada relacionado ao morto. Nem impressões digitais, certidão de nascimento ou registro  de desaparecido. Aparentemente, Rudolf Fenz não existia.

Finalmente, depois de procurar nas listas telefônicas, deparou com um R. Fenz Jr, dado como falecido em 1945. Decidido a resolver o caso, enviou carta ao endereço da viúva. A resposta chegou uma semana depois - um bilhete curto e sem assinatura, informando que Rudolf Fenz saíra de casa há 70 anos e nunca mais fora visto. O policial não desistiu e foi aos arquivos da prefeitura, onde localizou um R. Fenz, dado como desaparecido em 1876. Encontrou uma foto amarelada, que examinou com muito espanto. Era o atropelado de Times Square.

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No entanto, a busca do capitão Rihm terminaria sem conclusões, pois recebeu ordens para arquivar o caso e cuidar de assuntos mais urgentes. Ele se aposentaria um ano depois e nunca mais voltou a falar no assunto. O caso ficou esquecido por anos, até que em 1961 um escritor de ficção-científica, Jack Finney, publica uma antologia de casos arquivados como insolúveis. No capítulo "I'm Scared", ele descreve o episódio de Times Square e questiona se Rudolf Fenz teria realmente existido.

O caso adormece mais uma vez, voltando aos jornais em 1972, quando o escritor Vincent H. Gaddis, em artigo no The Journal of Borderland Research, revela que a revista Collier's cancelara reportagem sobre o caso Fenz ao identificar pressões de setores da inteligência do governo norte-americano para manter o assunto longe da imprensa. O jornalista encerra com um aforisma:

"Quando a realidade é mais estranha do que a lenda, é melhor esquecer o assunto."

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