O mundo que conhecíamos

      Na manhã de 11 de setembro de 2001 fui acordado com a informação de que a TV exibia imagens do World Trade Center em …

img src="fotos/coluna_eliziario_10_09.jpg" align="right">      Na manhã de 11 de setembro de 2001 fui acordado com a informação de que a TV exibia imagens do World Trade Center em chamas. Um avião havia batido em uma das torres e falava-se em atentado. Imaginei um jatinho executivo ou algo do gênero. Desci as escadas correndo, ainda meio dormindo, e tentei engolir o café enquanto me inteirava da situação. Tratava-se de um grande jato comercial. Atentado ou não, era coisa grave. Não passei do primeiro gole. Ao ver um Boeing aproximar-se das torres gêmeas imaginei que assistia a um replay, mas nem a sonolência resistia ao fato de que uma das torres já estava em chamas. A imagem aterradora era, lamentavelmente, exibida ao vivo.
      O instinto indicava que deveria seguir imediatamente para o chuveiro e, dali, direto para a redação de Época. As notícias, no entanto, ainda me prendiam ao sofá. Outro avião caíra sobre o Pentágono. Mais um se dirigia a alvo indefinido. A primeira torre desabava. Parecia o fim do mundo. Sim, porque daquele ponto em diante não era absurdo imaginar ataques nucleares a cidades dos Estados Unidos, quem sabe da Inglaterra, da França, e contragolpes na mesma proporção. Sim, mesmo otimistas irrecuperáveis haveriam de concordar que daquele ponto em diante o mundo poderia não assistir ao pôr-do-sol. Tal qual o conhecíamos, realmente não assistiu.
      Antes de me deslocar para o trabalho senti-me obrigado a dar ao menos um telefonema para Porto Alegre. Vera Zílio, uma de minhas mais leais amigas, atendeu tensa, mas não em pânico, porque já conseguira um contato com a filha, ainda que pela internet, sem a tranqüilizadora voz do interlocutor do outro lado da linha. Maria Alice Monteiro, jornalista, casada com o diplomata Leonardo Fernandes, naquele momento em missão nas Nações Unidas, estava em casa, na 83, a uma distância relativamente segura do World Trade Center, embora nenhum lugar do mundo fosse seguro naquele momento, muito menos Nova York. O marido ligara, antes que os telefones emudecessem, para avisar que estava bem, mas demoraria a encontrá-la. Eram mais de cinco quilômetros a serem percorridos a pé, pois não havia transporte.
      Ao chegar à sede da Editora Globo, a menos de dez minutos de minha casa, fui direto para a sala do Aluízio Maranhão, onde editores aglomeravam-se em busca de seu papel na edição especial que, por certo, faríamos nas próximas horas. Tentávamos trabalhar e, ao mesmo tempo, entender para onde o mundo se encaminhava. Em meio a isso, alguma desilusão com colegas que achavam bacana o que acontecia pelo fato de o alvo serem os Estados Unidos - em meu segundo artigo para a Coletiva, no ano passado, falei sobre as circunstâncias, motivações e origens do atentado, e sobre o fato de que torcer para criminosos não tem explicação. Não vou, portanto, me repetir.
      Resolvi ilustrar a coluna com a imagem da qual todos nós, pessoas saudáveis e bem amadas, gostávamos. As cenas da tragédia estão sendo fartamente repetidas. Penso em Maria Alice, agora no Japão, com seus terremotos sempre à espreita, e desejo que ela nunca mais tenha de passar por uma coisa dessas. Ela e nenhum de nós.
Dedicado a Maria Alice Monteiro
( [email protected])

Autor
 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

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