O Outro

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Mesmo quando estava entre a multidão,

ele estava sempre sozinho."

Ernest Hemingway.

Em um café de Paris, o correspondente do The New York Times pergunta a Ernest Hemingway qual, entre seus personagens, que ele apontaria como sua "alter persona". A resposta veio rápida: Nick Adams.

Quando a entrevista foi publicada, os críticos literários se apressaram em escrutinar e a escrever sobre "Contos de Nick Adams", que em pouco tempo passaria para o topo dos mais vendidos.

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Não é tarefa difícil identificar uma projeção autobiográfica em Nick Adams. Como seu criador, ele é filho de um médico, apaixonado por caçadas e pescarias. E quando jovem, passava dias vagando pelas florestas e montanhas do Michigan.

Replicando seu criador, quando eclode a I Guerra Mundial, ele embarca para a Europa e se alista como motorista de ambulância militar. É destacado para o front austro-italiano, onde é ferido por um estilhaço no joelho e internado em hospital perto de Milão.

A "alter persona" de Hemingway apareceria em doze histórias curtas, publicadas como antologia em 1972, mais de 10 anos depois da morte do autor. Em quase todos, o personagem testemunha eventos trágicos ou até mesmo sangrentos.

No celebrado conto "The Killers", Nick Adams assiste o drama de um lutador de box decadente, que vence uma luta encomendada, que devia perder. Ele aguarda em um bar a chegada dos assassinos que vem para matá-lo. Nick, que achava não ter medo da morte, sai da cidade para não ver o lutador enfrentar seus matadores.

Outro clássico é "Indian Camp", uma fábula sobre coragem e covardia. Aqui, Nick Adams acompanha a tragédia de um jovem índio, que corta sua garganta de orelha a orelha, desesperado com os gritos de sua mulher em trabalho de parto. O drama de Nick vai se agravando, quando seu pai, o Dr. Adams, o chama para ajudar na cesariana que vai salvar o bebê.

Quem conhece a biografia de Ernest Hemingway reconhece seu hábito de desafiar perigos e flertar com desastres - hábito que o acompanharia por toda sua trajetória, até o suicídio em 1961. Alguns críticos se debruçaram sobre os doze contos e elegeram "Big Two-Hearted River", como a mais emblemático do alter-ego do escritor. É a narrativa, em estilo àspero e cortante, do retorno de Nick Adams à casa, depois da guerra. É uma caminhada solitária, ao longo dos rios e florestas de Michigan, em busca dos lugares onde pescava e caçava quando criança.

O biógrafo Paul Henderson, que escreveu "O Barco de Hemingway - Tudo o que ele amava e perdeu", sugere que a melancólica jornada de Nick Adams lembra a trágica busca de Gustav von Aschenbach, em "Morte em Veneza", de Thomas Mann, um escritor que Hemingway muito apreciava.

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Questionado naquele café em Paris sobre as motivações de Nick Adams, Ernest Hemingway teria respondido ao jornalista usando o texto de um dos contos:

"Ele já havia aprendido que só existe um dia de cada vez.

E que era sempre o dia em que ele estava vivendo.

Seria hoje enquanto hoje, pois amanhã será hoje de novo.

Esta foi a principal coisa que ele tinha aprendido até agora."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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