O Sem Noção vai às compras

Por Flávio Dutra

Confesso que fico desnorteado quando recebo pedidos do tipo "me traz água oxigenada 10 volumes". Dois minutos depois eu já esqueci a volumetria da água e esqueci também de perguntar se compro no supermercado ou na farmácia. Escolho a farmácia, mas aí fico com aquela cara de paspalho quando a moça pergunta se o produto é para curativo ou para o cabelo e qual o volume da tal oxigenada. Agora vem a parte mais difícil, a capitulação: ligar pra Santa e perguntar o que é mesmo que ela pediu pra comprar. 

Fico me maldizendo pela histórica inaptidão para certas tarefas, o que se acentua e mexe com minha autoestima quando preciso decifrar a lista de compras no supermercado. "Existe cogumelo Paris?", pergunto ao rapaz que ajeita as verduras. "Sim, é esse aqui", ele mostra a bandeja que está à minha frente, com o nome bem visível. Agradeço, pego o produto e saio de fininho. Pior é, distinguir na feirinha a rúcula da radite ou do espinafre. Suspeito que sou motivo de chacota do pessoal da banca, logo que viro as costas, depois de ter perguntado pela enésima vez qual era uma ou outra. No dia em que mudei de estratégia para evitar o constrangimento e fiz uma pergunta genérica, "essa rúcula está fresca?", sucedeu-se mais um vexame. "Hoje só temos radite, senhor...", foi a resposta e aquele "senhor" já saiu escandido, com entonação de deboche.

Na banca de frutas tento bancar o esperto e quebro a cara de novo. "Bonitas essas melancias de Montenegro", elogio ao feirante, que faz uma cara de soberba para retificar. "Essas aí vêm de Goiás, porque a safra gaúcha já acabou há tempos". Vale o mesmo para os "maravilhosos pêssegos da nossa Vila Nova", que, na verdade, "vieram da Ceasa" e prefiro nem saber o estado de origem. Só falta os moranguinhos não serem de Bom Princípio ou não ter abacaxis de Terra de Areia, mas prefiro não me arriscar perguntando e passar vergonha de novo.

Corta para o corredor dos produtos de limpeza no supermercado e agora me sinto à vontade pois já consigo diferenciar o detergente do desinfetante e da água sanitária e a serventia de cada um. O detergente é para lavar a louça, o desinfetante é para higienizar superfícies e a água sanitária é para a limpeza mais pesada. Será que não misturei as utilidades? Bom, a Santa sabe pra que servem. Só peço encarecidamente aos fabricantes que não mudem as embalagens porque aí vai ser difícil eu memorizar tudo de novo, inclusive também porque levei tempo para identificar Clorofina como água sanitária. 

Com a certeza de que não sou o único homem que passa por essas desventuras em modo de compras, vejo nisso um nicho de empreendedorismo:  quem se habilita a oferecer seus serviços como personal customer aos senhores sem noção, que vão ao supermercado ou feiras com listinhas de produtos indecifráveis na mão?

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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