O teu histórico

Por Flavio Paiva

Nas agências bancárias (sim, elas eram o único ponto de contato entre os bancos e os clientes), o gerente dizia: "pelo seu histórico, podemos liberar uma linha de crédito no valor de..". Então, era ali nos bancos que ficava depositada boa parte da nossa vida, pelo menos a que se referia a crédito. Mas se fosse se examinar com um pouco mais de cuidado e incluindo cartões de crédito, já havia ali os hábitos de consumo, pelo menos algum.

Muda a cena. Agora estamos falando do histórico de buscas do Google, porque este diz mais do que somente hábitos de consumo: ele fala sobre outras dúvidas ou interesses que não necessariamente se transformam em consumo. Desde qual a previsão do tempo para amanhã, até o resultado do jogo do seu time, passando por qual foi o participante do Big Brother que se envolveu em confusão, até uma pesquisa histórica mais profunda, por exemplo.

Mas nem sempre o histórico nos retrata assim tão bem: no caso específico dos apps de música, eles têm um algoritmo, que de acordo com o que vamos ouvindo, vai sugerindo cantores, cantoras, compositores, de acordo com algumas linhas mestras do nosso gosto. 

O problema nesse histórico a que me refiro é que o algoritmo desses apps vai "aprendendo" do que você gosta e tende a sugerir mais do mesmo. Então, o que numa busca livre traria outros músicos, outras tendências, principalmente descobertas(como cruzar com alguém por acaso numa esquina e daí surgir uma conversa), com os algoritmos (existem uns melhores, outros nem tanto), você vai acabar ouvindo o que gosta. Mas só, num foco muito fechado e do meu ponto de vista, limitante. 

Então, voltando à questão do histórico, ela não leva em consideração um fator importante na vida de todos, que pode ocorrer ou não: rupturas, mudanças de opinião, desencantos, inovações e, no caso mais específico da música, o fator momento. De acordo com o clima, hora do dia, com o que acontece comigo, posso estar mais receptivo a um ou outro tipo de música. E um de forma nenhuma exclui o outro, porque somos complexos, afinal. 

Sim, o ser humano é muito simples para certas coisas. Para outras, muito, mas muito complexo. A ciência e os negócios vão seguir tentando mapear o ser humano. Numa certa medida, com total êxito. Noutra, vão seguir no escuro. 

Mas para concluir, essa alternância de luz (quando conseguem entender melhor o ser humano) e sombra(quando seguem tateando no escuro) enriquece a vida, ao menos a existência humana lúcida e com alguns neurônios.

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