O Toco

Por Flávio Dutra

19/08/2019 15:34 / Atualizado em 19/08/2019 15:33

Toco é uma gíria jornalística exclusiva do Rio Grande do Sul. Pelo menos não encontrei qualquer citação em outros estados, a não ser com sentido diferente do que utilizamos. Aqui, Toco (em caixa alta inicial porque se trata de uma instituição) representa uma benesse materializada em presentes ou convites para jantares e almoços das fontes em troca de tratamento positivo nas matérias. O toco deles (em caixa baixa porque é um mero substantivo) é usado com acepção de rasteira ou constrangimento à fonte ou desta ao jornalista, quase com o sentido de golpe baixo.

A verdade é que já não se pratica Toco como antigamente, quando o período de fim de ano era celebrado com mimos de grande valor. Hoje, até panetone está rareando. O jornalismo se profissionalizou - o Toco era herança de um tempo em que a profissão era um bico, subemprego e os modestos ganhos complementados com pixulés por fora. Desconheço porque a prática foi denominada Toco, talvez porque seja coisa pequena, uma rebarba qualquer.

A chamada grande imprensa implantou normas rígidas em relação à questão, vedando o Toco de qualquer natureza para seus profissionais. Outras empresas, menos estruturadas, fazem vistas grossas ou até estimulam a prática, permitindo o PF (por fora) já que não podem pagar salários mais dignos.

E tem o Toco empresarial, conhecido como Pauta 500. Vou ficar devendo, também neste caso, o que o 500 tem a ver com a matéria de interesse da fonte e do veículo e merecedora de tratamento especial na edição. Talvez o Fernando Albrecht, por antiguidade, saiba informar. A verdade é que a Pauta 500 está disseminada, em forma de matérias e programas direcionados para determinado produto, serviço ou empresa, às vezes transmitidos diretamente da própria empresa com as inevitáveis entrevistas dos dirigentes delas.

O mais novo formato de Pauta 500, verdadeiro Toco institucionalizado, atende pelo nome de branded content, traduzido por ?conteúdo de marca?. É quando determinada marca passa a ser associada com informação ou entretenimento e publicado dessa forma, iludindo o respeitável público. A maioria dos veículos montou estruturas para atender a essa demanda de publicidade mascarada de jornalismo. A ?inovação? atingiu tal proporção que dias atrás flagraram até o Pedro Bial fazendo entrevistas vendidas no seu programa da Globo, no caso para a Ambev e a Natura.

Então, vamos deixar de hipocrisia e parar de tratar como escândalo episódios como o que envolveu recentemente o ex-âncora do Jornal Hoje, da Rede Globo. Donny de Nucci, estrela ascendente no jornalismo da emissora, foi obrigado a se demitir após a revelação de que faturou R$ 7 milhões fazendo assessoria e vídeos de treinamento para uma subsidiária do Bradesco. O trabalho foi interno, realizado por meio da empresa do jornalista, mas De Nucci teria violado o código de ética da firma, especialmente por não comunicar a instâncias superiores as suas atividades extra-Globo. A partir do caso, a Globo decidiu fazer um pente fino entre os seus profissionais e reforçar seu código de conduta. Consta que gente de peso como a apresentadora do Jornal Nacional, Renata Vasconcellos, também estava emprestando seu prestígio para faturar algo mais no mercado.

Como na peça shakespereana é ?muito barulho por nada?. Na verdade, as empresas detestam concorrência, ainda mais de seus funcionários quando eles têm acesso a ganhos de eventuais patrocinadores, considerado um desvio inconveniente das verbas que deveriam ir para os planos de comercialização dos veículos. É tudo business! Às favas, os códigos!