O Tubarão e O Pássaro

Por José Antonio Vieira da Cunha

A Longa Migração do Temível Tubarão Branco é uma agradável surpresa. Recebi a obra do autor, Lourenço Cazarré, jornalista pelotense que se enraizou em Brasília há trezentos anos. É uma usina de criatividade com seus quase 40 livros publicados, geralmente dedicados à literatura infantojuvenil. Não é o caso deste Tubarão, vencedor de concurso de novela em Curitiba. Ao relembrar momentos de sua vida, o personagem, um colunista de Economia, é sempre corrosivo, algumas vezes antipático, nunca generoso na avaliação da cena social e política vivida na capital federal.

O jornalista acaba hospitalizado após um enfarte, e toda a narrativa na primeira pessoa se dá durante o breve período de internamento. Rigoroso consigo mesmo e sarcástico em relação à rotina nas redações e ao ambiente empresarial e político, o personagem se torna cativante graças ao estilo seco e direto de Cazarré. O resultado é uma leitura que flui com naturalidade, num ritmo de novela em que a curiosidade do leitor é provocada a cada final de capítulo.

Jornalistas talvez excomunguem o colega Dante Verga, debochado e cruel em relação ao que se passa em uma redação de jornal. Para rechear sua coluna a cada dia, está sempre pendurado num telefone em busca de informações e atormentado com o medo de ser 'furado' por colegas ou, pior, perder o emprego. Cazarré já disse que o livro trata-se de uma brincadeira, embora ele seja mesmo muitas vezes implacável sobre a forma como trata a profissão e sua geração. Um bom exemplo está aqui: "O jornalista é um cara que corre atrás de um produto que só causa estragos na sociedade: informação". E também tem este: "Um jornalista nunca reflete. Trabalha pacas. Não sobra tempo para luxos, como raciocinar".

A Longa Migração... veio até mim no mesmo dia em que o correio trouxe O Pássaro, da jornalista, pesquisadora e crítica literária Susana Vernieri. Como Cazarré, Susana é também uma usina de ideias, com quase 20 livros publicados e muitas vezes premiada por suas novelas, contos e poemas. 

Susana, prima distante, mas cuja trajetória acompanho desde criancinha, é corajosa na espontaneidade como trata de momentos importantes de sua vida, de amores a cenas do cotidiano. São dez contos que, segundo ela, buscam trazer a metáfora do pássaro, "gigante nas alturas, mas maljeitoso no solo, símbolo da literatura que oscila entre o céu sublime e a terra, concreta".

Um belo exemplo de seu texto descontraído e direto está neste trecho do conto A dona da lua: "Toda lua cheia ela sumia. Há quem diga que se dirigia à Zona Sul da cidade para um banho nua no rio e, assim, atrair os pescadores para uma madrugada de lascívia. Isso pode ser lenda, mas, também, pode ser verdade, conforme o ocorrido com um jovem encantado com sua malemolência no caminhar e falar, no cabelo escuro, na boca roxa e que a seguiu para descobrir o segredo dos sumiços numa noite clara, iluminada pela lua de sangue".

O Pássaro e A Longa Migração do Temível Tubarão Branco estão nas melhores casas virtuais do ramo. Não perca tempo: o Google dá o caminho para estas duas ótimas leituras.

(Esta coluna foi publicada originalmente em 25/04/2022)

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas passagens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem quatro netos. E-mail para contato: [email protected]

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