O vestido floreado
Por José Antônio Moraes de Oliveira
"Nunca conte tudo o que você sabe - nem para a pessoa que você mais ama na vida".
Agatha Christie.
O relógio da igreja bateu doze badaladas. As ruas estavam desertas e as janelas, fechadas e silenciosas. Era um bairro tranqüilo, onde cada um cuidava de sua vida e mal trocava um bom-dia com o vizinho do lado. Por isso mesmo, a estridente chegada da viatura da polícia com luzes e sirena ligadas acordou até quem não estava dormindo. Janelas se iluminaram, portas se abriram. Os moradores que sairam à rua levaram um susto quando viram um vulto caído na praça. Era o corpo de uma mulher e em seu vestido floreado havia uma grande mancha de sangue.
***
Todos de olhos aregalados, sem saber o que pensar nem o que dizer. Os policiais cercaram o corpo, as pessoas, em camisolões e pijamas de lã, coçavam as cabeças. Alguém falou:
"Em nome dos céus, um crime em nossa praça!".
Um detetive chegou e também coçou a cabeça. Era meio gorducho e tinha a barba por fazer. Uma mulher enrolada em um roupão atoalhado se apresentou. "Eu sou a única testemunha", disse ao detetive, que abriu seu bloco de notas e olhou para a mulher, que o fitava de volta com grandes olhos azuis:
"- Sou a senhora Polanski e logo reconheci
aquele vestido floreado...Sabe, senhor policial,
eu estava sem sono e fui dar uma olhada na praça,
pois sempre há algo para se ver e...".
O detetive rabiscou alguma coisa no bloco. O roupão atoalhado continuou, dizendo que assim que abrira a janela e vira o corpo estendido na praça, ligara assustada para a polícia.
"... era pouco antes da meia-noite...
Minha mãe costumava dizer que não se deve
ficar na rua depois desta hora, mas..."
O detetive de barba por fazer suspirou; depois de quarenta anos na força, ele sabia quando um caso vai dar trabalheira. Tentou perguntar algo, mas o roupão atoalhado já se antecipara:
" - Bem, como já disse, era quase meia-noite.
Eu sempre cuido a praça da minha janela. Hoje eu estava tricotando na sala e acabei cochilando.
Foi quando um barulho me acordou.
Achei que era sonho, mas logo percebi que alguma coisa estranha estava acontecendo ".
"- E..." instigou o detetive.
" - Na hora em que vi o corpo caído na praça,
ouvi passos de alguém correndo para longe."
Os olhos azuis se voltaram para a praça, mas o vestido floreado não estava mais lá. O detetive continuava a rabiscar.
" - Senhor policial, eu pouco sei da vitima, que era nova por aqui. Chamava-se Flora.
Pobrezinha, era tão jovem,
não mais do que 24, 25 anos...
Um vento gelado varreu a praça e o detetive tentou encerrar o interrogatório, mas a testemunha continuou.
"- Um crime horrível debaixo de minha janela!
Não deve ter sido tiro... eu tería ouvido... a pobrezinha foi esfaqueada, como nos crimes passionais?
- A polícia já sabe quem é o criminoso?".
"- Não, senhora, mas estamos tentando descobrir!
Muito obrigado senhora Polanski. Se precisar de mais informações, entraremos em contato! "
" - Ora, ora, senhor detetive! Só cumpri com meu dever".
E ela se foi, ajeitando o roupão atoalhado ao corpo. Antes de entrar em casa, olhou mais uma vez para a praça, agora deserta. Logo depois, as janelas foram fechadas e as luzes apagadas. O detetive guardou o bloco de notas e embarcou no carro, que saiu com as luzes e sirena ainda ligadas. Aquilo o incomodou e mandou o policial desligar tudo. As perguntas fervihavam em sua cabeça.
Quem teria esfaqueado a pobre senhorita Flora?
E porque jogar o corpo no meio da praça...?
E coçando a cabeça resmungou:
"Quem usa um vestido floreado de verão em uma noite gelada de outono?
***
(Continua).