O voto pela vida, pelo respeito, pelo amor, pelas mulheres e pelo ser humano

Por Márcia Martins

Por que eu nem me importei com o calor infernal de 30 graus no sábado, 29 de setembro, e permaneci mais de três horas de pé, no sol, suando, espremida no meio de uma multidão superior a 40 mil pessoas, na Redenção, em Porto Alegre? Por que eu fui, com minha filha, para gritar, berrar, afirmar, junto com companheiras e companheiros de trabalhos, de jornadas, de sindicatos, de militância, de vida, na Redenção, #EleNão, #EleJamais, no ato das Mulheres Unidas Contra o Bolsonaro (e só vou citar esta vez o nome deste senhor, a partir de agora, ele será tratado como 'Coiso')? Por que eu gastei, pendurando o débito no cartão, R$ 27 para ostentar, em tal ato, uma camiseta com os dizeres: 'Sou mulher e só voto em quem me respeita'?

Fui ao ato porque, com certeza, não sou fruto de uma fraquejada dos meus pais. Pelo contrário, sem desmerecer aqui nenhum homem, e repetindo versos da música Pagu, de Rita Lee e Zélia Duncan: "Sou mais macho que muito homem". Nasci mulher, com muito orgulho, sou forte, sou guerreira, sou destemida, sou corajosa e não me entrego ao primeiro empecilho que surge no meu caminho. Aliás, é ruim de eu me entregar e fugir do jogo. Encaro todo e qualquer desafio com vigor e com vontade de vencer. Jamais o fato de ser mulher me impediu de seguir nas minhas lutas. Pelo contrário, muitas vezes, a intuição feminina me ajudou a persistir nas batalhas e a não esmorecer.

Tenho uma filha que completa 24 anos em dezembro e fui ao ato porque não aceitarei, jamais, em nenhuma hipótese, que ela seja julgada ou perseguida pelas suas escolhas sexuais e nem de raça. Se ela quiser namorar homens, que o faça e seja feliz. Se ela quiser namorar mulheres, que o faça e seja feliz. E se ela me apresentar um namorado (a) da raça negra, não vou pensar, de jeito nenhum, que ela escolheu um homem negro ou uma mulher negra porque ela foi mal educada. Não aceito e não aceitarei, contra ninguém, palavras discriminatórias, atos preconceituosos, atitudes misóginas. Então, fui ao ato por entender que as escolhas das pessoas precisam ser respeitadas, qualquer que seja a opção de cada um.

Mas, como sou mulher, fui também ao ato das MUCB porque entendo que homens e mulheres, ao realizarem o mesmo tipo de trabalho, devem receber a mesma remuneração. Mulheres não devem ganhar salários menores, por exemplo, porque engravidam e por conta disso, trabalham menos em função da licença maternidade. Fui ao ato porque entendo que mulher nenhuma merece ser estuprada, seja ela bonita ou feia. E minha presença na Redenção, no sábado, ao lado de mulheres, homens e crianças, deve-se também ao fato de não concordar que o erro da ditatura foi torturar e matar pouco.

Enfrentei calor, sol, multidão e tudo mais no sábado à tarde porque entendo que um homem que admite admirar um torturador, o coronel Alberto Brilhante Ustra, não pode ser presidente de qualquer País. Não me incomodou ficar mais de três horas em pé e destilando suor porque acho inadmissível um homem que desrespeita uma jornalista e a chama de analfabeta afirmando que ela está censurada, almejar o cargo de presidente da República e, o pior, ter uma elevada promessa de votação. E a compra da camiseta para ir ao ato foi um investimento para clamar minha divergência com um candidato à presidência que é contra o sistema de cotas nas universidades e que não aceitaria entrar em um avião pilotado por um cotista e nem ser operado por um médico cotista.

Não faltariam argumentos para serem elencados aqui para justificar a minha presença no ato suprapartidário do último sábado, na Redenção. Mas creio que a certeza de que qualquer candidato, até o cabo Daciolo, com sua questionável loucura (perdão aos que são eleitores dele), merece o voto no domingo, 7 de outubro, menos o Coiso. Então, estou definitivamente na luta do voto pela vida, pelo respeito, pelo amor, pelas mulheres e pelo ser humano. Mesmo que algumas mulheres não percebam tamanha incoerência ao votar no Coiso e considerem as outras que estão nesta luta umas doidas. Não faz mal. Talvez elas nem lembrem ou finjam ignorar, mas elas só podem votar porque, em 1934, após uma intensa luta de mulheres, o voto passou a ser também um direito das mulheres.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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