Os Espertinhos

Eles estão em toda a parte. Misturam-se às pessoas. Alguns não querem ser vistos. Outros fazem questão de ser notados. São eles, os espertinhos. …

Eles estão em toda a parte. Misturam-se às pessoas. Alguns não querem ser vistos. Outros fazem questão de ser notados. São eles, os espertinhos. Segundo alguns historiadores, fazem parte da descoberta e colonização do Brasil. O Brasil já teria nascido torto, neste sentido. Maracutaias, conforme esta linha de pensamento, começaram no ano de 1500 e, de lá para cá, só fizeram continuar. E aumentar. Só o que não se deram conta é que a sua suposta esperteza é um caminho sem volta para um fim trágico.


Os espertinhos da estrada estão lá, fazendo manobras arriscadas, forçando os outros a reduzirem a velocidade para que entrem na vaga da frente, quando a ultrapassagem não deu certo. Também estão lá dando sinal de luz, avisando que logo à frente está a Polícia Rodoviária. Ao ver um destes espertinhos me dando sinal de luz, recebo a seguinte mensagem: "Ei, você, que não gosta de respeitar leis como eu, que é um trapaceiro como eu, cuidado. Logo à frente está a Polícia. Reduza, para que não sejamos pegos por eles e continuemos a enganá-los, estes idiotas". O que não passa pela cabeça dos espertinhos é que esta "esperteza" imbecil pode resultar em acidentes. Que se os limites de velocidade existem, é por algum motivo. E que se eles continuarem sendo desrespeitados, a próxima vítima pode ser um filho do espertinho, morto no meio das ferragens. Não concorda com o limite de velocidade estabelecido? Mexa-se e faça-os mudar pelas vias adequadas. Faça abaixo-assinados, leve ao seu deputado ou senador, mexa-se.


Outros espertinhos estão na vida pública e no Congresso. São eles que fazem os propinodutos, que desviam verbas públicas em proveito próprio. Estes já gostam mais de notoriedade e fazem questão de frases de efeito, sempre destacando que eles são os caras, os bons. Só que esquecem que se o dinheiro destinado à saúde, à geração de empregos, ao combate à violência não chegar ao seu destino, a população vai ficar cada vez mais revoltada e sem referenciais. E aumenta a onda de violência. A população de baixa renda vai, cada vez mais, se sentir idiota. Já se sente um nada, sem direito a uma vida digna. O que vem ocorrendo então? As pessoas pobres e de bem fartam-se de esperar. E começam a trilhar os caminhos da criminalidade. O raciocínio é bem simples: se eu vivo em um país onde os ricos estão cada vez mais ricos e em número cada vez menor; se vivo em um país onde não tenho oportunidades;  se vivo em um país onde meus pais e meus filhos não têm uma saúde decente, uma educação decente, se não encontram emprego, por que devo continuar a fazer o mesmo? Aí, algumas (uma minoria, felizmente, pois a esmagadora maioria segue trabalhando e tendo uma vida decente, mesmo sem conseguir viver dignamente) destas pessoas começam a traficar, por exemplo. E o tráfico é amigo da morte, seja pelos resultados do uso de drogas, seja por ser um mundo onde a lei que vale é a da crueldade, do mais forte. Aonde se fecha o ciclo? No dia em que o filho de um dos espertinhos que alimentaram este circuito é atingido pela violência. Ou num assalto a mão armada, quando é morto, ou num ponto de venda de drogas, quando leva uma bala na cabeça.


Mas o que fazem, então, estes espertinhos? Contratam seguranças, colocam grades nas casas, blindam seus carros. Isto adianta? Adianta muito pouco. Porque não vai à origem do problema, trata somente a superficialidade. A continuar assim, teremos que colocar grades nas portas dos quartos, dos banheiros. Ficaremos, enfim, enclausurados em um quarto blindado, com medo de sairmos às ruas. É esta a vida que queremos. E por melhor que seja a segurança, a blindagem, sempre há como furá-la.


Resumindo, os espertinhos deveriam andar com aquele cone de burros nas cabeças. Acham que estão se dando bem quando estão cavando sua própria sepultura, com suas próprias mãos.


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