Poeta e navegador

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Afinal, a melhor viagem é viver bem".

           Álvaro de Campos.

O primeiro guia turístico de Lisboa foi publicado em 1925, escrito por um poeta que não gostava de viajar, Fernando Pessoa. Que dedicou dois anos de andanças pela cidade que tanto amava, antes de escrever "Lisboa - o que o turista deve ver". Mais um dos intrigantes paradoxos do grande poeta - ao mesmo tempo em que   se declara irremediavelmente apaixonado por Lisboa, se revela um navegador frustrado.

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Coube ao heterônimo Alvaro de Campos ser o primeiro a enaltecer a alma aventureira dos grandes navegadores e sua coragem em afrontar oceanos desconhecidos em busca de novos mundos. E neles se inspira ao contar dos sentimentos da hora de partir:

"Ah, quando nos fazemos ao mar

                 Quando largamos da terra e a perdemos de vista,

       Quando tudo se enche de vento marítimo,

        Não há razões para amar, odiar, dever, 

                 Não há já leis, não há mágoas (...),

      Há só a partida, o movimento das águas,

       Do afastamento,

          Das ondas arrulhando à proa,

             E uma grande paz intranquila entrando suave no espírito".

E enquanto um heterônimo fala de caravelas e mares, o poeta, como Bernardo Soares, compõe um diário pessoal, onde desfila inquietação, tédio, angústia e amor pelas ruas, ladeiras e velhos casarões de Lisboa. E se declara aprisionado pela terra firme:

"Eu adoro a luz destas praças solitárias,
intercaladas entre as ruas com pouco tráfego,
onde meu passado é tudo o que não consegui ser."

Curiosa e ironicamente, o dualismo de Fernando Pessoa - que ama Lisboa e sonha em viajar - gerou alguns dos mais belos versos da língua. Principalmente quando se permite sonhar com longas viagens marítimas, como acontece em Ode Maritima:

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
  Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu".

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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