Por favor, continuem em casa

Por Márcia Martins

 Se este tal confinamento social durar ainda muito tempo, e no meu caso de quase 60 anos, portadora de doença autoimune e em tratamento com imunobiológicos, ele irá sim se prolongar por pelo menos até o início de junho, em breve serei classificada como a louca que deseja fazer tudo ao mesmo tempo. Desde que entrei no tal isolamento, no dia 16 de março, já perdi o número de lives que assisti de cantores e cantoras (claro que sou seletiva no meu gosto musical), de debates sobre tudo, inclusive o Coronavírus, feminismo e comportamentos durante a pandemia, dos cursos à distância que devo me matricular, de canais de orientações para meditar e das horas de noticiário na TV.

 Quando termina o dia, trancafiada no pequeno apartamento, sinto-me cansada de tanta atividade que fiz durante o período sem sair de casa. É reunião online do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado (Sindjors), do qual integro a diretoria. Ou então do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA), onde estou presidenta (eleita, mas não empossada). Da 7ª Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres, que está na dependência dos rumos do Covid19 para marcar a data da sua realização. E, vez em quando, marcamos um encontro pelas plataformas virtuais de poetas para pensar em atividades quando isto tudo acabar.

 Todas atividades sempre são intercaladas com a televisão ligada desde a hora em que acordo - a fim de tentar ficar sempre atualizada com as informações sobre o vírus -, com a leitura de alguns capítulos dos livros que se amontoavam na estante da sala e de uns minutos de relaxamento sentada perto da janela tentando pegar uns raios de sol e ver o movimento que já começa a ser elevado numa das ruas principais do bairro Cidade Baixa. Tento ainda, manter frequência nas aulas à distância de um curso de atualização sobre feminismo, me empenhar na iniciação da prática de meditar - ainda estou um pouco resistente - e na audição de todos os DVDs que vejo no armário.

 De repente, preciso interromper tudo porque fico sabendo que o Nando Reis está fazendo uma live naquele exato minuto. E, evidente, devo relaxar um pouco e deixar os ouvidos navegarem pelas belas músicas do cantor. Ou alguém posta que a Alcione (ok, eu tenho um lado brega) programou uma live para a próxima noite. É necessário deixar um vinho branco a gelar, organizar uns petiscos, para ouvir a Marrom cantar e segurar meu impulso de chorar muito e cortar os pulsos (vocês conhecem esta expressão, não é?). Ah, e torcer para conseguir manter em dia as séries que gosto de maratonar no Netflix e no Amazon.

 Tanta agenda e compromisso acertado dentro de casa, sem romper as barreiras do isolamento, sem me expor ao perigo de contágio do vírus, e consciente demais de que o cenário da doença é sim muito preocupante, é para preencher um pouco - se é que isto é possível - a solidão com a ausência da minha filha, a distância do cusco Quincas, a falta de contato com meu irmão, cunhada, afilhados e irmã. Como optei, no decorrer dos 40 e alguns anos, em manter-me uma mulher sozinha, isto é, sem relacionamentos amorosos, fiquei um pouco dependente (acho que sempre fui) dos carinhos e afetos da família, dos amigos e amigas, dos cachorros. E sinto uma saudade imensa destes pequenos afagos que o isolamento está impedindo.

 O jeito para disfarçar esta solidão que não tem data para terminar é preencher a minha vida, limitada às paredes do apartamento, com esta mistura de atividades. A saída para driblar a falta que faz um abraço apertado na minha filha é buscar lotar as horas de compromissos, cursos, reuniões a fim de ocupar a cabeça, já que o coração fica tão carente. O cachorro veio passar uns dois dias comigo. Mas não posso ser egoísta com ele e exigir mais se não tenho como levá-lo para passear e brincar com os seus muitos aumiguinhos no cachorródromo. Foi uma visita muito rápida para a Vóvis Marcinha afofá-lo um pouco.

 O que me consola é a esperança de que este vírus doido seja melhor entendido ou tenha seu contágio atenuado ainda no primeiro semestre deste ano. O que me dá força para não abdicar do papel de cidadã preocupada com a saúde de todos e de todas é que quero muito seguir abraçando, envolvendo e mimando os que merecem o meu amor. Por favor, continuem em casa.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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