Proust, Eliot & Joyce

Por José Antônio Moraes de Oliveira

"Em abril existem mais perigos

Do que em vinte punhais dos teus amigos. 

Olha-me com doçura e isto basta para ficares 

Invulnerável ao ódio deles."

William Shakespeare

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Incontáveis verdades e lendas se misturam no mundo da ficção literária. Uma destas lendas nos relata como William Faulkner passou um mês de abril inteiro lendo os sete volumes de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, o escritor que ele secretamente invejava. Ao final, perplexo e exaurido, teria arremessado os livros pela janela, exclamando:

"- Para mim, abril não mais existe."

Não foi esta a única reação visceral provocada pela busca do tempo perdido proposta por Proust. Seria difícil encontrar quem tenha ficado imune depois de viajar com Marcel pelo caudaloso rio da Memória. La recherche...penetra na alma dos personagens que viveram na França do século XIX, devassa amores, sonhos e desilusões, propondo que contemplemos nossos próprios sentimentos e emoções. Quando chega o abril de 1922, Marcel Proust está gravemente enfermo em seu quarto forrado de cortiça em Paris. Seu desaparecimento coincidirá com a publicação de Sodoma e Gomorra, o quarto tomo de Em Busca do Tempo Perdido. 

Estudiosos da obra proustiana escrutinam o livro e encontram respostas para enigmas e paradoxos embutidos nos volumes anteriores. Ainda, antes de expirar, Proust escolheria Le Temps retrouvé como o título do sétimo volume da série. Mas, infeliz e tristemente, não viveria para ver publicado o último livro de La recherche?

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Curiosamente, - ou coincidentemente - neste mesmo momento um escritor irlandês, James Joyce entra na Shakespeare & Co., no número 12 da rue de l'Odéon e entrega a Sylvia Beach o produto de dez anos de sua vida - os originais de Ulysses. Estava nascendo naquele momento  um monumento da poesia, que faria companhia a Em Busca do Tempo Perdido na galeria dos clássicos da literatura moderna.     

E as coincidências acontecem - o dubliniano James Joyce, ao evocar seus fantasmas temporais, construiu réplicas de metáforas proustianas:

"Caminhamos através de nós mesmos,

 ao encontro de ladrões, fantasmas, gigantes,velhos, jovens, esposas, viúvas, irmãos,

mas sempre ao encontro de nós mesmos."

E mais uma vez, gira o ano de 1922, gerando novos e singulares eventos. Enquanto os primeiros exemplares de Sodoma e Gomorra e Ulysses chegam às vitrinas das livrarias parisienses, o poeta inglês T.S. Eliot, desembarca em Paris e vai ao encontro de Erza Pound. Este o convence a publicar o inédito The Waste Land, uma obra extensa, com 450 versos, que reflete a tragédia humana da devastação causada pela I Grande Guerra. Coincidências de tempo e lugar nem sempre são engenhos do acaso. The Waste Land é publicado em um abril - e desde então, consagrado como obra central da poesia moderna. Como Erza Pound já antecipara, ao dizer que T.S. Eliot empreendera uma nova e moderna busca do tempo perdido.

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Quase 100 anos mais tarde, The Waste Land ainda soa como um epitáfio das ilusões do século XIX. Seus versos, aguçados como os punhais de Shakespeare, dispensam comentários:

" Abril é o mês mais cruel, criando

lilases na terra morta, misturando

memória e desejo, ativando

raizes murchas sob chuvas de primavera.

 

O inverno nos manteve aquecidos, cobrindo 

a terra em esquecidas neves, alimentando

uma pequena vida com tubérculos secos.

O verão nos surpreendeu, chegando à alta montanha

com saraivadas de chuva; paramos na colunata,

e fomos para a luz solar no jardim austríaco.

 

Bebemos café e conversamos por uma hora

nas montanhas, onde nos sentimos livres.

Leio muito à noite e vou para o sul no Inverno".

 

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem passagens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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