Quando a religião não é o melhor assunto

Por Marino Boeira

Semana passada, me meti numa viagem pela Patagônia argentina. Um dos programas era visitar o famoso glacial Perito Moreno, uma montanha azulada a bloquear um lago de águas cristalinas.

Ocorre que o Perito Moreno está a uns 80 quilômetros da cidadezinha de El Calafate e a viagem na van é demorada e nas folgas das dicas que a guia ia dando quase sem parar, resolvi puxar um assunto que não caiu muito bem.

Como era a semana de eleições resolvi dizer que os argentinos não deveriam repetir o erro dos brasileiros elegendo um idiota e que deveriam mandar o Macri pra casa.

Um casal de turistas brasileiros não gostou de ouvir chamar a pessoa em que certamente tinham votado de idiota e começou uma discussão, interrompida pela guia com essa frase, que deve ser tão antiga na Argentina quanto no Brasil: aqui não se fala em futebol, política e religião.

Falar o quê, então, pensei eu?

No quesito religião, eu já tinha me metido em várias confusões, mas que não me deram nenhum aprendizado.

Um exemplo: não levar a sério as crenças de uma pessoa por mais estranho que elas possam parecer.

Conheci o Baltazar quando ele esteve na minha casa para consertar o computador.  Um sujeito de uns 50 anos, extremamente competente e sério.  Numa hora matou todos os vírus da máquina e cobrou apenas 50 pilas.

Semana passada, precisei dele novamente, depois que o computador se recusou a receber e enviar emails. Eu tinha apenas apertado uma tecla errada e travei o sistema. O Baltazar nem quis cobrar o serviço 

Eu insisti em pagar os 50 pilas, mas não é sobre isso que queria falar. Eu tinha estranhado seus trajes quando ele chegou . Ele vestia uma daquelas roupas indianas coloridas que você encontra nos brechós e notei que tinha uma pinta vermelha na testa.  Na hora não quis falar nada, mas na saída não me sofri e perguntei sobre elas Ele disse que a roupa era original, comprara mesmo na Índia onde estivera durante um ano em meditação e a pinta era para identificar sua casta.

- Sou da casta dos xátrias, um guerreiro nascido dos braços de Brahama

Achei que ele estava brincando e perguntei.

- Mas você não tinha nascido em Cachoeirinha?

Não devia ter feito isso porque durante mais de uma hora tive que ouvir a história dele para ficar sabendo que o Baltazar de Cachoeirinha era uma identidade falsa. Ele se chamava Dinesh, nascera em Varanasi e há mais de um ano recebera do deus Ganasha a incumbência de divulgar uma nova religião.

- Pra não dar uma de mal educado perguntei que religião era essa. Outro erro porque ele não parou mais. Em síntese, pelo que entendi, essa nova religião é uma mistura do cristianismo com as novas tecnologias.

Vou tentar resumir a parte que achei mais interessante.

Não tem céu, nem inferno. Tem o Nirvana e Pasárgada. Quando você morre, é levado (ele não disse por quem) até um grande computador, que tem apenas dois botões, um azul e outro vermelho.  Se você escolher o azul vai para o Nirvana. Se escolher o vermelho vai para Pasárgada.

- Mas como vou saber qual o melhor?

- Você não sabe. É totalmente aleatório para você.O algoritmo sabe o que lhe mais lhe convém e vai induzi-lo por uma série de combinações de raios cósmicos que são enviados ao seu cérebro (como o cara tá morto, deve ser sua alma) que vão lhe ajudar a escolher o botão certo.

- E depois?

- Depois você vai viver eternamente no Nirvana, se for o botão azul, um lugar com muita música, poesia, por de sol, lagos mansos, pessoas afáveis e assexuadas. É um lugar ideal para artistas e intelectuais.

- E o vermelho?

- Pasárgada. Muito esporte, futebol o dia inteiro. Sexo sem parar. Pessoas saudáveis. Sempre ativas.

Foi quando fiz uma pergunta que não devia ter feito só para exibir meu conhecimento da poesia do Manoel Bandeira

- Não dá pra passar uns tempos no Nirvana e outros em Pasárgada, onde, sou amigo do rei e lá tenho a mulher que quero, na cama que escolherei.

O Baltazar, ou Dinesh, não sei mais o certo, fechou sua pasta, nem me deu a mão como despedida, virou as costas e foi embora.

E ainda por cima, para a minha vergonha, deixou a nota de 50 pilas sobre a mesa.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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