Reinvenção de Paris

23/11/2017 15:39

"Em Paris, ninguém escapa do passado."

Honoré de Balzac.

O historiador e escritor francês Éric Hazan, ao apresentar seu recente livro "A Invenção de Paris" proferiu uma afirmação que enraiveceu muita gente:

"Para as cidades históricas, nenhuma ameaça

é maior do que o turismo."

Engajado e anacrônico, Hazan, que viveu a maior parte dos seus 81 anos em Paris, diz não conseguir absorver a idéia da cidade high-tech sonhada por George Pompidou e André Malraux ao derrubar Les Halles para, em seu lugar, construir o Beaubourg. Para ele, foi o espírito de conquistador de Napoleão Bonaparte que baixou em Pompidou, ao mandar demolir o velho mercado em 1971 e permitir uma cirurgia plástica que desfigurou parte da identidade parisiense. O escritor lembra como Charles Baudelaire louvava o espírito e o estilo de vida dos velhos quartiers da cidade. E se refere a Baudelaire e Walter Benjamin como faróis de luz, últimos de uma raça de poetas urbanos que se rebelaram contra a modernização orquestrada para fazer Paris mais atraente aos visitantes da Exposição Mundial.

***

Quando, no século 18, famílias aristocratas abandonaram o Marais para morar nos palacetes de Saint-Germain e Saint-Honoré, se inicia um movimento que separaria os muito ricos da classe média. Sem demora, desenha-se uma Paris para os visitantes estrangeiros (leia-se turistas), separada da Paris destinada aos parisienses. Para Éric Hazan, na esteira da reforma urbana do Barão Haussmann, surgem dois grandes vilões na história da cidade: os banqueiros e as empresas imobiliárias. Eles se adonam das pitorescas galerias e travessas cobertas ao redor da rue Lafitte e Bouevard des Italiens. Saem de cena os tradicionais artesãos, ourives e antiquaristas, substituidos por ateliers de alta costura. Como romântico nostálgico assumido, Hazan denuncia o ato predatório, cometido em nome dos novos tempos, que loteou espaços ocupados no passado por artistas como Edouard Manet, Gustave Courbet e Pierre Bonnard. 

***

O autor de "A Invenção de Paris" não hesita em demonstrar sua extrema irritação sobre o turismo de massa. Para tal, usa argumentos do pré-revolucionário, Louis-Sébastien Mercier, filósofo e dramaturgo que, em 1771, escreveu O Ano 2440, antecipando em 700 anos a Paris do futuro, sem a Bastille e o Palais de Versalhes (faltou-lhe mencionar Les Halles).

Pela proximidade com o espírito iluminista, Mercier confiava que a modernidade livraria Paris dos bairros miseráveis. Mas Hazan pensa diferente - para ele, a simples debandada dos parisienses dos cafés de esplanada, invadidos por turistas antecipa ameaça ao modo-de-vida da cidade. Da mesma forma, como a maquiagem do Marais expulsaria antigas famílias judias, em benefício das novas elites ricas e iletradas. E lembra a filosofia de Walter Benjamin, um dos reinventores da flânerie como arte de convivência:

?Se é verdade que cada época sonha com a seguinte,

é ainda mais verdade que cada época

vive na nostalgia da precedente.?

Hazan escreve que ainda se comove com as cenas das manhãs de inverno fotografadas por André Kertész no antigo Café du Dôme, ou com a imagem do casal se beijando na Place d'Italie, em 1932, registrada por Brassaï. Louva os surrealistas, tanto os fotógrafos (como Man Ray) ou os pintores (como Max Ernst), observando que eles foram os primeiros a registrar a desaparecida noite boemia parisiense. O autor encerra com uma flânerie, a partir do Jardin des Plantes, seguindo pelo caminho Saint-Geneviève, na esperança de encontrar, no topo da montanha uma praça silenciosa e deserta que não existe mais.