Retrocesso, cerceamento das liberdades e censura

Por Márcia Martins

Não importa se uma exposição ou uma mostra é realizada dentro de um espaço cultural, nas dependências da sede de um partido político, na entrada de um museu, no saguão de um shopping center ou no interior de um prédio público. Não devemos julgar o mérito se os itens apresentados na mostra elogiam ou depreciam quem detém um cargo político. Se um cidadão ficar sabendo de tal exposição e quiser ver tal evento, dirige-se até o local, observa, analisa, comenta, aplaude ou não. É seu direito. Se um cidadão cruzar pela exposição porque é sua passagem obrigatória, já que é seu local de trabalho, ou ele foi até lá acompanhar alguma votação, e não desejar ver o que está sendo mostrado, é simples. Siga reto. Não olhe. Ignore.

Assim funciona a democracia. Onde este regime existe. E é respeitado. Ninguém é obrigado a ver o que não quer. Elementar. Ninguém é impelido a aplaudir o que não gosta. Fato. Ninguém tem que ser castigado e apreciar ou não obras de arte, pinturas, poesias, livros, charges ou cartuns se este não for o seu desejo. Básico. Mas impedir que qualquer pessoa, no uso do seu livre-arbítrio (possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade), possa ver obras em determinada exposição é um gesto absurdo e preocupante de retrocesso, de cerceamento das liberdades, de censura. Sem falar no desrespeito com os expositores de tais obras.

A decisão do vereador Valter Nagelstein (MDB), de impedir a permanência da exposição de cartuns denominada 'Independência em Risco', aberta no dia 2, à noite, na Câmara Municipal de Porto Alegre, e encerrada na terça-feira, 3, com a aprovação da presidente da casa, a jornalista Mônica Leal (PP), é um dos atos mais graves de retrocesso, de cerceamento da liberdade e da censura. Por entender que tal exposição, formada por 36 desenhos (cartuns e charges) dos mais renomados cartunistas gaúchos, apresentava críticas ao presidente Jair Bolsonaro, Nagelstein entendeu que a mostra não deveria permanecer na Câmara por se tratar, segundo ele, de um "ultraje".

Mas quando cartunistas faziam, através da legitimidade de seus trabalhos, críticas ao ex-presidente Lula (sem entrar no mérito do merecimento ou não), não era ultraje. Era democracia. Mas quando chargistas faziam, utilizando a inteligência de seus trabalhos, críticas ao ex-presidente golpista Michel Temer, não era ultraje. Nada mais era do que a liberdade de expressão dos grafistas que são sim profissionais da comunicação. Ou quando, no exercício de sua criatividade, eles rabiscavam traços com críticas aos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor, Itamar Franco ou a querida Dilma Rousseff, não era ultraje.

Pois tal ato de censura preocupante na Câmara impedindo o prosseguimento da exposição, protagonizado por Nagelstein com o aval da Mônica Leal, mostra que não é a independência que está em risco. O que corre risco sério neste País governado por Jair Bolsonaro e sua equipe dotada de inteligência é a democracia. Principalmente se a censura inibe quem quiser ver (lembram do tal livre-arbítrio) trabalhos primorosos de cartunistas premiados como Edgar Vasques, Santiago, Leandro Hals, Bier, Latuff, Vecente, Schroder, Dóro, Elias, Alexandre Beck, Alisson Affonso, Bruno Ortiz, Edu, Eugênio Neves, Gui Moojen, Kayser, Koostela, Nik e Uberti.

A mostra censurada, autorizada pela direção-geral da Câmara, foi um convite do vereador Marcelo Sgarbossa (PT), dirigido à Grafistas Associados do RGS (Grafar), político extremamente ofendido na live (sic) feita pelo seu colega Nagelstein ao justificar o motivo de pedir o fim da exposição, que eu tive, como jornalista, o desprazer de assistir. Pois eu digo: que orgulho de ter cartunistas como estes que estavam expondo, que orgulho em saber que existe no Legislativo Municipal um vereador com a competência do Sgarbossa, que orgulho em ver a charge do Bolsonaro lambendo as botas do Trump (presidente dos Estados Unidos). E, por fim, quem está instalando no País a falta de noção, de limite, de autoridade, de desrespeito, não é, senhor Nagelstein, com certeza, o PT.

 

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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