Rua da Praia, 1950 A.D.

Por José Antônio Moraes de Oliveira

09/10/2025 15:19
Rua da Praia, 1950 A.D.

A gurizada ardia de desejo de fazer parte nas aventuras que os meninos mais velhos comentavam a meia-voz na hora do recreio. Aquelas escapadas para passear pela Rua da Praia eram como um portal de tempo ? deixando = para trás nossa inocência juvenil e ir conhecer as asperezas e delícias da vida adulta. Naqueles tempos, éramos uns meninos bem comportados que respeitavam regras e os dez mandamentos. Mas de quando em vez, aparecia um diabinho disfarçado de anjo para propor travessuras que tinham sabor de pecado.

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Mas o tempo passou ligeiro, apagou arrependimentos e guardou encantamentos. O diabinho da nossa esquina era um menino sardento e com cabelo cor-de-milho. Um danado para inventar molecagens e que convidava, com um risinho maroto, a fazer aquilo que nossos pais proibiam. Nem todos entendiam o que ele falava, mas topavam e iam atrás dele.

Como quando nos convenceu a matar a última aula de Física no Rosário e ir espiar a saída das meninas do Bom Conselho. E lá fomos todos, encostados nos muros da Ramiro Barcelos e fazendo pose de Robert Taylor. Era uma felicidade ver as meninas de azul-e-branco enfeitar as ruas com sorrisos e gritinhos alegres. E nós, alimentando a esperança de um sorriso furtivo ou um olhar-de-esguelha. Mas o verão chegou e o diabinho sardento veio com uma proposta - pegar o bonde até o centro e passear na Rua da Praia.

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Foi em uma manhã de sol, nos juntamos na Praça Júlio, para esperar pelo bonde Prado. Que desceu sacolejando a avenida, enquanto ocupávamos a plataforma traseira do gaiola, os mais moleques sentados nas correntes das portas. Eu era mais comportado, dos que pagavam a passagem, ao contrário dos espertos que saltavam do bonde andando, fugindo do cobrador  da Carris. E seguiam à toda, tocando as campainhas das casas     e casarões.

Havia muito para ver e comentar no centro de Porto Alegre.

Não ligávamos para as lojas granfinas, com o Sloper e Krahe,  mas as vitrinas da Masson e do Scarpini faziam nossa festa,    com os Omega de ouro e as canetas Parker 51 deitadas em estojos de veludo vermelho. Uns mais gulosos escapavam até        a Confeitaria Schram para comer com os olhos as tortas na vitrina - de crème de nozes ou de chocolate com morangos inteiros.

Os que não precisavam voltar logo para casa, faziam fila diante  do Cine Carlos Gomes para a matinée com filmes duplos. Outros mais metidos ? como eu - preferiam ir até a Praça da Alfândega, onde estava o mais elegante cinema da cidade ? o Cine Imperial.

A festa começava na entrada, queimando nossos trocados nas balas de goma ou azedinhas na bomboniére do saguão. Depois, subíamos as escadarias de mármore até as poltronas estofadas  de vermelho. Olhar ao redor para localizar e identificar as gurias desacompanhadas e estávamos prontos para nos deliciar com as estrêlas de Hollywood: Bette Davis, Dorothy Lamour, Rita Hayworth, Clark Gable, James Stewart, Gary Cooper.

A tarde caía preguiçosamente e já era hora de voltar para casa. Descíamos correndo as escadarias da Galeria Chaves até o abrigo da Praça Quinze, onde sempre havia um bonde Independência ou um gaiola Prado à espera. Quando havia tempo, era obrigatório ir até a banca de jornais para uma espiada nas capas da Cruzeiro e da Cigarra. E comprar a Folha da Tarde para não chegar em casa de mãos abanando. 

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