Se este fosse um País sério...

Por Márcia Martins

Eu deveria escrever, ainda que o assunto tenha começado a ser revelado de forma bombástica lá no domingo, 9 de junho, data marcante porque é o dia do meu aniversário (considerei, inclusive, um excelente presente), e possa parecer um tanto atrasada, algumas linhas sobre os vazamentos revelados pelo The Intercept Brasil (TIB). As notícias publicadas pelo site fundado pelo jornalista Glenn Greenwald parecem não ter fim. E envolvem a "lisura" da Operação Lava Jato, do então juiz Sérgio Moro e de membros do Ministério Público Federal combinando ações suspeitas contra o ex-presidente Lula. Se este fosse um País sério, eu deveria, sim, escrever sobre isto.

Pois na coluna desta semana, talvez eu devesse dedicar algumas mal traçadas linhas à demora inexplicável do presidente Jair Bolsonaro, que em seis meses de governo não conseguiu ainda apresentar uma medida em benefício do povo brasileiro, em afastar o seu ministro da Justiça, Sérgio Moro, logo após a primeira revelação do TIB do teor das conversas vazadas do juiz de Curitiba. Mas, ao contrário, Bolsonaro e seus principais ministros gastam a pouca inteligência que ainda cultivam em algum local ignorado de suas cabeças para atacar a imprensa e buscar, pasmem, desmoralizar o Greenwald pela sua opção sexual. Se este fosse um País sério, eu deveria sim escrever sobre isto.

Num País sério, todos sabem - mesmo que já alertados anteriormente pelo escritor George Orwell - que "jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer se se publique". "Todo o resto - prossegue Orwell - é publicidade". Arrumar, às pressas, uma entrevista duvidosa do ministro Sérgio Moro no insuportável programa do Ratinho no SBT, que foi ao ar na noite de terça-feira, não é nem de longe alguma lição de jornalismo. Apenas prova o desespero, o pavor, o beco sem saída em que se meteu, com as revelações do TIB, o todo poderoso ministro do Bolsonaro, que logo, logo, apesar da sua postura bem duvidosa denunciada nos vazamentos do Intercept, deverá ser indicado para uma vaga no STF. Se este fosse um País sério, eu juro que deveria sim escrever sobre isto.

Hoje, sinceramente, eu tinha quase uma obrigação, como feminista convicta, de falar sobre a atacante Marta, jogadora da Seleção Brasileira de Futebol Feminino, que virou a maior artilheira da competição (incluindo homens e mulheres). No jogo contra a Itália, nesta terça-feira, Marta foi decisiva na vitória de 1 x 0 do Brasil e marcou gol de pênalti, superando os 16 gols do jogador Klose, da Alemanha, e liderando um ranking de artilheiros de Copas só formado por homens. Se este fosse um País sério, eu juro que iria, sim, escrever sobre isto, ou quem sabe sobre a falta de patrocinador na chuteira de Marta em repúdio à disparidade de salários e investimentos entre futebol feminino e masculino.

Marta, ao contrário de falsos heróis que volta e meia fazem corpo mole nos jogos da Seleção Brasileira de Futebol Masculino, que ganha apenas 0,3% do rendimento anual do jogador Neymar Junior, por exemplo, entrou em campo, fez gol, assinou a vitória e, como se fosse pouco, ainda denunciou o machismo nosso de cada dia que continua entranhado nos esportes no Brasil. Se este fosse um País sério, eu juro que deveria, sim, escrever sobre isto. Aliás, se o Brasil tivesse ainda algum caminho digno a ser trilhado, a Marta teria um patrocinador à sua altura, um salário do tamanho da sua competência e não precisasse mostrar, na sua chuteira, o símbolo do movimento "Go equal", que luta pela equidade de gênero.

E como aqui na terra tão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock'n'roll, uns dias chove, noutros dias bate sol, e é preciso muita mutreta para levar a situação, e a gente vai levando de teimoso e de pirraça, termino a coluna saudando o aniversariante do dia, o grande, o amado, o insuperável Chico Buarque de Hollanda, na data em que completa 75 anos. Siga, menino lindo dos olhos cor de ardósia, escrevendo poesias que desnudam a alma feminina, prossiga com as letras de protesto, de denúncia, não nos faça perder a esperança de que um dia, este Brasil poderá ser um País sério.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

Comentários