Sem sinal, sem decodificador, sem programa e sem paciência

Por Márcia Martins

Na terça-feira, 31 de julho, 19h45, e eu retorno de um dia exaustivo, mas produtivo (curso de boas práticas de eleições para o Facebook e assembleia no sindicato), com um semblante radiante de felicidade. No caminho do lotação de volta para casa, imaginei a cena e o sorriso escancarou-se facilmente. Abriria a porta do apartamento e seria derrubada pelo cusco vira-lata Quincas Fernando Martins, que demonstra de forma efusiva seu sentimento de saudade. Prepararia uma janta árabe para ver com minha filhota a final do MasterChef, programa do qual somos fãs. Em algum intervalo, colocaria alguma roupa na máquina e antes mesmo do programa começar escreveria a coluna.

Tudo corria dentro do planejado até perto das 20h15, quando faltou luz na Avenida Independência. O cusco Quincas latiu com medo, a máquina de lavar roupa teve o ciclo bruscamente interrompido, a comida já havia sido encaminhada e foi possível terminar seu preparo à luz de velas. Restava aguardar a energia elétrica voltar para redigir a coluna (nem sabia qual seria o tema) e assistir ao final do MasterChef. Um pouco antes das 21h30, finalmente acenderam-se as luzes. Automaticamente liguei a televisão e fui acertar o ciclo da máquina de lavar roupa, dar comida para o cusco e ver se não havia derramado nada no chão na elaboração do cardápio no escuro.

Pois ao chegar na sala novamente, a televisão não ligava. Fiz de tudo que podia, sabia e estava ao meu alcance. Percebi então que não era a TV e sim o tal aparelho da Net (decodificador parece) que não acendia luzinha nenhuma. Pedi ajuda para a minha filha Gabriela porque, às vezes (muitas vezes), ela é melhor do que eu nas novas tecnologias. Nada. Nada. Nada. Ok, a terça-feira prometia encerrar-se de forma sombria. Sim, terei que telefonar para a Net e descobrir o que ocorreu.

Era o que bastava para estragar qualquer promessa de paciência, tolerância, empatia e tudo o mais. O operador de telemarketing de nome estranho (meu Deus, alguém me explica porque eles não podem ter nomes mais simples, tipo João, Pedro ou Antônio?) pediu umas 12 vezes (sem mentira nenhuma) que eu desligasse todos os aparelhos das tomadas. Mas veja bem Jonathan (vamos adotar este nome para facilitar), supliquei já fornecendo alguns sinais de que a minha serenidade estava se esgotando: "Não é falta de sinal, não é problema no aparelho receptor de televisão, não é necessário eu desligar da tomada pela enésima vez, esperar 10 segundos e ligar, é problema no decodificador da Net".

Jonathan, Epaminondas, Fulgêncio ou sei lá quem me disse que eu precisava repetir os movimentos que ele me passava pelo telefone, porque necessitava eliminar todas as possibilidades antes de marcar uma visita técnica para não sei quando. Pela primeira vez na noite, um calafrio percorreu meu corpo ao imaginar que ficaria sem ver a final do meu programa preferido. Ainda havia esperança porque eu desliguei, novamente, o aparelho da tomada, aguardei, liguei, olhei para o decodificador e absolutamente nada. Jazia ali na sala, acomodado na estante, entre DVDs, porta-retratos e demais enfeites, morto, falecido, um tal de decodificador da Net.

Lá pelas cansadas, o operador disse que não "iria estar conseguindo resolver o problema com o meu sinal naquela noite e por isso, "iria ter que estar agendando uma visita técnica". Reclamei muito. Devo admitir que sem muita educação, uma vez que o relógio já marcava 22h15 e breve começaria a final do tal programa. Mas, insisti com o Jonathan, não tem mesmo como mandar um técnico aqui só para trocar o aparelho. Ah, não é possível, retrucou ele. E esta parte não é mais meu serviço. Com licença, disse ele, "vou ter que estar lhe passando para o setor responsável pela marcação de visitas e neste setor alguém estará providenciando uma marcação, não sem antes conferir novamente todos os seus dados".

E como terminou a noite de terça-feira? Com o cusco Quincas chateado ao notar a sua mamãe Gabriela e a vovó Márcia irritadas. Sem um resto de farelo de comida porque mãe e filha se lambuzaram com a janta árabe preparada pela MasterChef. Vendo o final do programa graças às manobras tecnológicas da filha que ligou o computador não sei onde e contrariadas com o resultado porque não ganhou o participante para quem elas torciam. E com uma nova ligação, bem mais tarde, para o tal número da Net, que prometeu "estar me enviando", na quarta, em alguma hora do dia, um técnico para resolver o problema.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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