Quando Gilberto Gil subiu naquele palco, com sua alma cheirando a talco como bumbum de bebê, apesar dos seus 83 anos, às 21h14, as mais de 30 mil pessoas presentes no Beira-Rio naquela noite fria de sábado (6 de setembro), logo tiveram a certeza de que o melhor lugar do mundo era ali e agora, ali onde indefinido, quando ser leve ou pesado deixava de fazer sentido. No primeiro show da turnê "Tempo Rei" após a morte da filha Preta Gil, ele mostrou porque dispensa adjetivos. E durante as mais de 2h40 de show, sem sair nenhum minuto do palco, ele confirmou que é um senhor, rei do seu tempo.
Homens e mulheres de todas as etnias e idades ficaram encantados com o show e nem mesmo a temperatura muito baixa (o termômetro indicava, em alguns momentos, 11 graus, mas a sensação térmica era menor) fizeram com que se afastasse do ginásio antes de Gil e sua banda encerrar, definitivamente a última canção do espetáculo. Que teve jogos de luzes, painéis de LED, conversa do cantor, gritos de fãs e um telão que contava, conforme as músicas eram tocadas, a trajetória pública de Gil, que se confunde com a história da Música Popular Brasileira.
E ele parecia não ter pressa de sair daquele imenso palco. E ele demonstrava uma intimidade absurda com seus e suas fãs de todos os cantos do Rio Grande do Sul. E ele não aparentava nenhum cansaço de estar tanto tempo ali em pé enfeitiçando o público. Afinal, a multidão lhe acarinhava com palmas, coro, gritos e lanternas acesas nos celulares. Foi um show elétrico, pulsante e emocionante.
Não contei o número de músicas, mas arrisco que foram mais de 30 canções que passearam pela linda e irretocável carreira daquele menino baiano. Nem vi o tempo passar porque pisei naquele estádio que abrigou o show com uma fé que não costuma falhar de que tudo ocorreria da melhor forma possível. E assim foi. Gil reinou soberano. Gil soltou a voz. Gil ensaiou passos de dança no palco quando o show se encaminhava para o término, ao entoar a música "Aquele abraço", com um público entusiasmado cantando junto.
Um momento, em especial, me fez deixar escapar lágrimas dos olhos. Quando após um depoimento do amado Chico Buarque no telão sobre a música "Cálice", parceria dos dois, Gil interpreta a canção que retrata o duro período da ditadura brasileira. Em tempos de constantes ameaças à democracia, "Cálice" é sempre atual e muito necessária. E o público, que já havia gritado algumas vezes a frase "sem anistia", mais uma vez bradou tais palavras de ordem.
Ao final de mais de 2h40 de espetáculo, Gil deixou o palco, com a certeza de ter feito um dos melhores shows de sua vida (eu acho). Com a certeza da missão cumprida (imagino). E o público deixou o estádio, naquele início de madrugada de domingo, 7 de setembro, levando na mente a lembrança de um tempo transcorrendo, transformando, tempo e espaço navegando em todos os sentidos, transformando as velhas formas do viver.