Socialismo, um sonho impossível?

Por Marino Boeira

Em março de 2013, o ex-deputado Carlos Araújo deu um depoimento para a Comissão da Verdade, no qual denunciou que, quando foi torturado em São Paulo, durante a ditadura militar, na década de 70, empresários ligados à FIESP, além de financiarem os órgãos repressores, como a OBAN e o DOI-CODI, assistiam às sessões de tortura. 

Talvez quisessem, como é típico dos capitalistas, conferir se o seu dinheiro estava sendo bem empregado.

O caso mais emblemático dessa participação de empresários em sessões de torturas foi o do empresário dinamarquês, naturalizado brasileiro, Henning Albert Boilensen. Segundo testemunhos de presos, Boilensen, diretor do Grupo Ultragás, além de participar das sessões, teria contribuído com a criação de uma nova ferramenta de tortura, chamada Pianola de Boilensen, uma espécie de teclado que emitia choques elétricos ao ser tocado.

Boilensen foi justiçado em 15 de abril de 1971 por militantes da VPR - Vanguarda Popular Revolucionária. Além dele, são citado como financiadores da OBAN empresários dos grupos Ford, GM, Camargo Corrêa, Objetivo, Folha e Bradesco.

A ação desse grupo de empresários, numa época em que o recrudescimento da ditadura militar gerou uma resistência armada e, com ela, uma forte instabilidade política, está dentro da ótica capitalista de usar o Estado para conquistar seus objetivos de classe. Na década de 70, principalmente, ela se mostrava com uma crueldade sem disfarces, porque havia um visível conflito de interesses de classes.

Com o fim da ditadura e a democratização das atividades políticas, mudaram os métodos, mas o grande empresariado jamais abriu mão de usar as ações do Estado para seu benefício. Através da mídia e das igrejas conservadoras, foi "vendida" ao povo brasileiro a ideia de que o único caminho possível para o País era o modelo capitalista de produção, que, ao contrário do socialista, geraria ganhos para todos e era mais democrático.

Mesmo os governos progressistas de Lula e Dilma jamais avançaram em medidas de caráter socializantes, como fizeram os governos de Allende, no Chile, no passado, e de Chávez, na Venezuela, e Morales, na Bolívia, mais recentemente.

Em vez disso, financiaram o capital privado com juros subsidiados e a contratação de grandes obras públicas, apostando na geração de mais empregos e na melhoria das condições de vida dos mais pobres.

Fruto de décadas de lavagem cerebral, hoje a ideia de um caminho socialista para o Brasil parece algo extremamente distante. Os partidos que poderiam erguer esta bandeira, nem inscrevem mais esta proposta em suas plataformas.    

Mas, nem sempre foi assim. Quando terminou a segunda guerra mundial, as grandes vitórias da União Soviética, responsável maior pela derrota do nazismo, difundiram no mundo inteiro as ideias igualitárias do comunismo. Embora o grande esforço americano de valorizar a sua atuação e a dos ingleses na Segunda Guerra, a verdade histórica é que a Wehrmacht foi destruída pelo Exército Vermelho em memoráveis batalhas.

O famoso Dia D, com o desembarque dos aliados na Normandia, em junho de 1944, foi feito quando os alemães já estavam praticamente vencidos e ele só ocorreu porque ingleses e americanos temiam que os russos, na sua ofensiva contra a Alemanha pudessem chegar a libertar toda a Europa Ocidental. Churchill e Roosevelt adiaram o quanto puderam a abertura de uma segunda frente na Europa, calculando que a continuidade da guerra entre russos e alemães exauriria os dois lados, deixando o campo livre para americanos e ingleses assumirem liderança do mundo com o fim da guerra.

Em 1945, a imagem da União Soviética e do caminho socialista de governo eram extremamente simpáticos à maioria das pessoas no mundo inteiro, inclusive no Brasil.

Um bom exemplo disso era o nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, que, depois de enaltecer a vitória dos soviéticos em Stalingrado, termina assim o seu poema: O poeta Declina de toda responsabilidade / Na marca do mundo capitalista / E com suas palavras, instituições, símbolos e outras armas / Promete ajudar / A destruí-lo / Como uma pedreira, uma floresta, Um verme.

Nas eleições de 1945, Luís Carlos Prestes, talvez o político brasileiro de mais prestígio na ocasião, preferiu não arriscar-se na disputa pela presidência, e indicou o desconhecido Yedo Fiúza, prefeito de Petrópolis, para concorrer em seu lugar, pela legenda do PCB. Fiúza fez mais de 570 mil votos, contra três milhões e pouco de Dutra, que foi eleito, e dois milhões do brigadeiro Eduardo Gomes. A estratégia do PCB foi de formar bancadas numerosas nas Assembleias Estaduais, na Câmara e no Senado, o que de fato ocorreu.

Para combater a imagem de que o caminho socialista era uma alternativa viável, os Estados Unidos desfecharam uma imensa campanha publicitária no mundo inteiro, investiram milhões de dólares na transformação da Alemanha Ocidental numa vitrina colorida diante da cinzenta Alemanha Oriental, refizeram alianças com adeptos do fascismo, como Franco, na Espanha, e Salazar, em Portugal, e usaram a força armada quando essas alternativas não eram mais possíveis, como na deposição de Mossadeh, no Irã.

O cinema foi a grande arma para vender no mundo inteiro o famoso "american way of life", onde todos os sonhos eram possíveis, em oposição ao socialismo dos soviéticos, onde o "Estado dizia o que cada pessoa devia fazer no seu dia a dia". Até mesmo a pintura, uma arte aparentemente não politizável, foi utilizada para vender o conceito de liberdade dos americanos. O pintor abstracionista Jackson Pollock confessou que ele mesmo não entendia seu prestigio, já que se considerava um artista de entendimento difícil para os leigos. A explicação veio mais tarde quando se descobriu que suas exposições no mundo inteiro tinham o patrocínio do governo americano, que via no seu abstracionismo uma resposta libertária à pintura figurativista dos russos, que seria fruto de uma determinação do Estado. Mesmo aqui em Porto Alegre foi possível assistir-se de graça no auditório da reitoria da Ufrgs a grande orquestra sinfônica de Nova Iorque, regida por Dimitris Mitropoulos. Certamente não foi a reitoria quem pagou seus cachês. 

Essa grande ação de mídia, enaltecedora das virtudes da sociedade capitalista era combinada com uma forte repressão interna para quem ainda sonhasse nos Estados Unidos com o ideal socialista. A famosa comissão liderada pelo senador Joseph McCarthy acusou de comunista e interrompeu as carreiras de importantes nomes das artes nos Estados Unidos, principalmente no cinema, que era a ponta de lança da divulgação dos chamados "ideais americanos". Além de Charles Chaplin, o mais famoso de todos, foram processados os escritores Arthur Miller e Dashiell Hammett, a cantora e atriz Judy Holliday, o diretor de cinema Edward Dmytryk, e o roteirista Dalton Trumbo, entre outros. A acusação de serem espiões dos russos levou à cadeira elétrica os cientistas Julius e Ethel Rosemberg.

Este enorme esforço de convencimento das pessoas no mundo inteiro conseguiu transformar em poucos anos a imagem da União Soviética e por consequente da proposta socialista de organização social, de libertadora dos povos na segunda guerra naquilo que Churchill chamou de "a cortina de ferro".

Mesmo assim, todo esforço não seria suficiente para liquidar com a experiência socialista no leste da Europa, se além dele e também dos reconhecidos erros dos dirigentes soviéticos, não tivesse a União Soviética tentado acompanhar a corrida armamentista desencadeada no governo Reagan e com isso exaurido sua economia, tornando cada vez mais difícil atender as necessidades das suas populações.

O fim da União Soviética não é, porém, como afirmam os defensores do capitalismo, o fim do ideal socialista. A cada dia fica mais claro que as nações europeias, depois que viram secar as possibilidades de exploração colonial na África e na Ásia, nunca mais recuperaram seu antigo esplendor e vivem hoje atreladas às decisões norte-americanas. Os Estados Unidos, por sua vez, só fazem funcionar sua economia levando a guerra aos confins da terra, como foi no passado o Iraque e Afeganistão. Mas essas soluções cobram sempre um custo posterior muito alto.

Quando as crises sistemáticas, provocadas pelo beco sem saída que o sistema capitalista gerou no mundo, são cada vez mais seguidas, com a destruição de riquezas e empobrecimento das populações, não há como não pensar na alternativa do socialismo, mesmo para o Brasil.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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