Tempo para viajar na maionese

Recentemente, ouvi alguém dizer que se estivéssemos ainda no tempo das cavernas, tendo que nos preocupar com o leão (ou dinossauro) a ser morto, …

Recentemente, ouvi alguém dizer que se estivéssemos ainda no tempo das cavernas, tendo que nos preocupar com o leão (ou dinossauro) a ser morto, com a comida para matar a fome, com abrigo para abrandar o frio e com outras necessidades imediatas e básicas, não teríamos tanto tempo assim para filosofar. Concordo. Em parte. Discordo. Em parte.
A parte com a qual eu concordo é que efetivamente, na medida em que temos mais tempo disponível, nos colocamos a refletir sobre a vida, sobre nossa existência, sobre qual o sentido disto tudo. Porém, não concordo que só façamos isto quando dispomos de mais tempo livre, o que em tese não ocorreria se estivéssemos resolvendo as questões mais elementares da vida.
Acredito que a reflexão seja uma característica inerente ao ser humano. Não temos como escapar dela. Mesmo que seja num lapso de tempo, mesmo que seja numa insônia, mesmo que seja ao vermos um comercial da TV ou ao ouvirmos uma música. O tempo é realmente relativo. A quantidade de tempo que eu dedico à reflexão não significa necessariamente profundidade desta reflexão. Em um segundo, posso ter insights, fazer descobertas, associações e lembrar de uma vida inteira. E estes insights podem valer para o resto da minha existência. Lembram dos relatos de gente que esteve cara a cara com a morte? Eles sempre referem que a vida lhes passou em segundos à frente, como num filme acelerado. Pois é.
A condição da reflexão está dentro de nós, de todos nós. Claro que alguns mais, outros menos. Mas ela está ali e foi quem nos permitiu evoluir, andar sobre as duas patas de trás e inventar tantas coisas.
Além disto, se ocupação fosse vacina contra reflexão e "viajar na maionese", quase todos nós seríamos toscos e concretos. Porque quer vida mais cheia de demandas e correria do que a vida moderna? As pessoas trabalham cada vez mais horas por dia. O trabalho está presente em todos os momentos da vida das pessoas, via celular e Internet. Estamos sempre correndo contra o tempo, contra o relógio, buscando atingir metas. Os nossos leões e dinossauros do passado se transformaram em metas e objetivos nos dias de hoje. Não deixamos de lutar pela comida. Apenas mudamos a forma de lutar.
No fundo, no fundo, ainda somos um pouco homens de Neanderthal. Esta porção jamais vai se apagar. Basta ver o nosso trânsito, quando os pitbulls motorizados assumem o volante. Ou quando (mesmo que sem querer) furamos uma fila de supermercado ou banco. E mesmo quando, justificadamente, alguém ofende ou agride algum familiar ou pessoa que amamos. Pronto. A besta-fera de dentro de nós emerge com toda a força.
Com relação ao sexo, então, nem se fala. Por quê as empresas fabricantes de cerveja(e de muitos outros produtos, em especial revistas de mulheres nuas) ainda insistem nas mulheres gostosas e seminuas? Porque os homens gostam(ou pelo menos boa parte deles) de ver mulheres apetitosas, como se estivessem a lhes convidar para uma orgia, cutucando o lado Neanderthal dos homens.
Assim, habitam dentro de nós o lado filosófico, reflexivo e o lado instintivo, primitivo. Jamais nos abandonarão, por mais sofisticados que sejamos. Serão eternamente duas metades, para as quais o tempo e o espaço são relativos.
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