Um novo mundo pós-pandemia não é possível

Por Márcia Martins

Quando começou a necessidade do prolongamento do período de isolamento em decorrência da pandemia do Coronavírus, imediatamente surgiram teorias dos profetas do apocalipse, dos formadores de opinião e daqueles que adoram dar palpite em tudo, de que um novo mundo iria surgir. Afinal, um confinamento de mais de quatro meses cada qual no seu canto, a ausência de carinhos com os familiares e amigos, a necessidade de planejar tudo, a neurose necessária com a higienização e o assustador número de mortes deveriam sim produzir um ser humano mais empático, consciente, civilizado e menos egoísta.

Nem chegamos ainda perto do fim do tal "distanciamento" - uma vez que não se descobriu a cura, o vírus se alastra e a quantidade de mortes assusta - e arrisco dizer que as teses otimistas do aparecimento de um novo mundo não se consolidam. E, a julgar por atitudes isoladas de pessoas sem noção e ações de grupos, não estamos nem perto de ver renascer destes tempos sombrios, um (a) cidadão (ã) que aprendeu algo positivo e transformador.

Como acreditar que sairemos disto com alguns ensinamentos se até a simples utilização de uma máscara é motivo de questionamento, rebeldia e desacato à autoridade? Tudo o que se sabe sobre formas de evitar que o vírus contamine é manter o isolamento, lavar muitas vezes as mãos e sempre que sair - e só quando for extremamente necessário - usar máscara. Mas daí, um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo caminhando pela praia de Santos não só entendeu que não precisava estar de máscara como se achou no direito de desrespeitar o guarda municipal, aplicar o "carteiraço" e rasgar a multa.

E o que é uma multa - se é que será mesmo mantida - de R$ 250,00 (R$ 100,00 pela ausência de máscara e R$ 150 por jogar lixo no chão) para quem ganha um salário bruto mensal de R$ 57 mil? Um valor tão irrisório, tão insignificante que o mesmo desembargador já havia sido multado em R$ 100,00 no dia 26 de maio por não querer usar o acessório.

A arrogância e a prepotência de determinadas pessoas que ocupam cargos públicos e acham que estão, por este motivo, acima da lei, continuarão apesar de tudo que poderiam ter assimilado de mudança com a pandemia, de direitos iguais para todos, de uma doença que não escolhe suas vítimas. Infelizmente, são homens e mulheres que seguirão até o fim de suas vidas utilizando a suas posições "privilegiadas" para obter vantagens e desrespeitar o próximo.

Será que é viável crer que ao final do isolamento, com a doença do Coronavírus mais controlada e o número de mortes estacionado (na noite de terça-feira já passavam de 80 mil vítimas no Brasil com o Covid-19), os comentaristas irão perceber quão ridículos e irresponsáveis foram ao pedir a volta do futebol? O GreNal desta quarta-feira é totalmente irracional, sem explicação e contraria a preocupação das pessoas sensatas com a saúde de seus semelhantes. Mas, um comentarista de uma grande rede de comunicação, berrava histérico no jornal do meio-dia pela necessidade do retorno dos jogos.

Enquanto as pessoas se aglomeram nos parques ao primeiro raio de sol que aparece, me parece impossível que a sociedade renasça depois da pandemia com algum senso mais desenvolvido de empatia. Enquanto os governantes cedem às pressões econômicas e não adotam medidas mais restritivas de circulação, me parece utopia acreditar que surgirão administradores mais preocupados com a saúde da população. Enquanto os gestores municipais ficam aguardando que a sociedade cumpra a sua parte e fique dentro de casa e, por isso, não implantam o lockdown, me parece tão distante a tese de que teremos um novo normal.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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