Na metade dos anos 70 o Grupo RBS era uma criança e ainda engatinhava em busca de prestígio e influência. A Rádio Gaúcha, que Maurício Sirotsky Sobrinho comprou junto com outros amigos em julho de 1957 é o ponto de partida, a TV Gaúcha foi inaugurada cinco anos depois e em 1970 o jornal Zero Hora, que havia sido fundado em maio de 64, passou para o controle da família Sirotsky. Este é o momento que marca o início de fato do Grupo RBS, então com a vistosa denominação de Rede Brasil Sul de Comunicações.
Escrevi que engatinhava em busca de prestígio e audiência, mas Maurício, seu fundador e principal personagem, tinha carisma suficiente e poder de sedução extraordinário para conquistar pessoas e espaços. E talento também para exercer autoridade ao natural. Agora, quando o grupo comemora com foguetório midiático os 100 anos de seu nascimento, vale relembrar um episódio que já registrei na narrativa sobre a história da Coojornal, a Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre.
A revista Ano Econômico, com mais de 240 páginas, alcançara um tremendo sucesso quando foi lançada, em meados de 1979. Trazia, com exclusividade e pioneirismo, informações sobre as maiores empresas do Rio Grande do Sul no final da década de 70. Lá estavam Varig, Gerdau, Ipiranga, BRDE e Olvebra, as primeiras do ranking. O esforço dos jornalistas da Coojornal para produzir a segunda edição, em agosto de 1980, foi muito maior e penoso. A responsabilidade do anuário crescera, e a necessidade de ser ainda melhor que o anterior pesava sobre seus executores.
A missão foi cumprida, mas seu lançamento oficial não conseguiria repetir o sucesso do ano anterior. Se na primeira vez governador, vice-governador, secretários de Estado, deputados e dirigentes das principais entidades compareceram ao ato de lançamento, desta vez foi diferente. Na última hora veio a informação de que o governador, empresários importantes e dirigentes das entidades, inclusive da anfitriã, a Federasul, não compareceriam ao evento porque foram chamados para uma ?reunião importante? no comando do III Exército.
A decepção do pessoal da Coojornal foi ainda maior ao se tomar conhecimento das razões da realização daquele encontro convocado de última hora para o mesmo dia e horário de apresentação do anuário, evidenciando que a repressão começava ali a ampliar o cerco ao trabalho da Cooperativa dos Jornalistas. O comando do III Exército reuniu em um almoço os 30 principais empresários gaúchos, mais os representantes dos três poderes, entre eles o governador José Amaral de Souza. O cardápio soou amargo para muitos dos presentes: consistia em apresentar o empresário Alexandre von Baumgarten, novo proprietário da revista O Cruzeiro, que naqueles tempos usufruía ainda um resquício da importância que teve na metade do século como revista semanal de informações e variedades.
Baumgarten era um ex-agente do Serviço Nacional de Informações, o coração da repressão da ditadura militar. O Cruzeiro deixara de circular em 1975, e o arrivista tentou relançá-la como uma ferramenta de loas à ditadura. Estava ali em Porto Alegre para arrecadar apoio publicitário da nata empresarial gaúcha.
No discurso de apresentação, em pleno quartel do comando militar, Baumgarten não deixou dúvidas sobre o papel que a revista queria desempenhar. O comandante do III Exército foi além; invocou os perigos representados pela infiltração comunista nos veículos de comunicação, inclusive nos de vocês, disse, dirigindo-ses a Breno Caldas, da Companhia Jornalística Caldas Jr., e a Maurício Sirotsky Sobrinho, da RBS, comandantes dos dois maiores grupos de comunicação na época.
Foi aí que Maurício se agrandou como empresário e cidadão. Pediu a palavra, levantou-se e disse em tom decidido e com sua voz poderosa de antigo locutor de rádio que não concordava com aquele tipo de imputação e se retiraria do recinto como forma de protesto. Ato contínuo, Breno Caldas levantou-se, e, lacônico como sempre foi, disse que eram suas as palavras ditas por Maurício. E ambos foram embora, num raro desafio aos mandantes de plantão, já que contestar o regime nunca esteve entre as prioridades do Correio do Povo nem da Zero Hora.