Valeu, Rei

Por José Antonio Vieira da Cunha

02/01/2023 17:24
Valeu, Rei

Primeiramente, obrigado, Pelé. Muito obrigado, Pelé. Obrigado mesmo, Pelé.

Não houve nenhum outro como este ídolo, este verdadeiro superatleta, um cara sobre-humano, e o futuro talvez não nos apresente nenhum outro capaz de exibir tanto talento, tanto brilho, tanta delicadeza. 

Quando completou 80 anos, recluso em plena pandemia, foi alvejado por muitas homenagens e referências na mídia. Foi quando relembrei que também tive belos momentos de alegria por ver Pelé treinar e jogar ? ao vivo! Em dezembro de 1964, alheia ao golpe militar, nossa turma de garotos que encerrava o ginásio fez uma excursão ao Rio de Janeiro, com escala inevitável em São Paulo, como forma de festejar a formatura e saudar a nova era que se iniciaria, com as responsabilidades que começam a se apresentar a quem navega com o frescor dos 15 aninhos.

Foi uma longa viagem de ônibus, como não poderia deixar de ser naqueles tempos medievais, e parte de seu custo, no caso, o fretamento do ônibus, foi feita pelo grande Xafi Nazar, um rico fazendeiro pai do Xafizinho, um dos melhores amigos na turma. O restante do recurso veio sabe de onde? Da caixinha que arrecadamos ao longo do ano com o lucro da cantina da escola, que administrávamos com a supervisão experiente do irmão Rovílio, o professor marista que nos orientava.

A excitação e a sorte nos acompanharam o tempo todo naquela aventura. Excitação porque tudo era uma grande novidade para os guris de 14, 15 anos, que deixavam Cachoeira, média cidade do interior gaúcho, para conhecer o mundo. Sorte, digo hoje, porque não houve nenhum perrengue e ainda fomos brindados com dois espetáculos e um aperitivo do melhor futebol que se praticava no Brasil.

Quando estávamos em São Paulo, 16 de dezembro, houve a primeira final da chamada Taça Brasil, o Brasileirão da época. Fomos ao então imponente Pacaembu ver o Santos enfrentar o Flamengo, daí o primeiro e inesquecível sopro da senhora sorte. Só tínhamos olhos para o Santos com Gilmar no gol e aquele ataque imbatível formado por Coutinho, Pelé e Pepe. Jogão de bola, os santistas tocaram 4 a 1, com três do Rei. Antes da final, e a caminho do Rio, visitamos Santos, inevitavelmente fomos conhecer a já famosa Vila Belmiro e lá a boa sorte nos acenou novamente. Entrar no estádio e acompanhar treinos era absolutamente normal naqueles tempos, e, sentados na precária arquibancada, vimos maravilhados, no centro do gramado, trocando bolas e brincando, Mengálvio, Coutinho, Pepe e Ele. 

Logo depois, 19 de dezembro, lá fomos ao Maracanã participar do jogo final. Foi fácil demais comprar ingressos. Depois daquela goleada os cariocas desacreditaram do Mengo e pouco mais de 50 mil torcedores, um bom público mas insuficiente para lotar o grande templo do futebol, acompanharam um medíocre 0 x 0, suficiente para o Santos festejar o tetracampeonato do campeonato nacional.

Pelé espantou do Brasil o complexo de vira-lata, na caracterização genial de outro imortal, Nelson Rodrigues, que mais de uma vez elegeu o craque como seu personagem da semana, enchendo-o de elogios com seu texto sempre espetacular. Nelson soube expressar como ninguém o que significava Pelé para o país, e no final de 1959 o elegeu Personagem do Ano e sentenciou: ?É um menino, um garoto. Se quisesse entrar em filme de Brigitte Bardot, seria barrado. Mas, reparem: é um gênio indubitável! Pelé podia virar-se para Michelangelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los com íntima efusão: Como vai, colega?'?.

É como disse o americano Andy Warhol, o mestre da pop art, ao abrir uma exceção sobre sua máxima de que todo mundo teria 15 minutos de fama em algum momento: ?Pelé é um dos poucos craques que contrariam minha tese. Em vez de quinze minutos de fama, terá quinze séculos?.

Amém.